Emerson Mello
Lançado no mesmo ano de Burn, temos apenas 9 meses que os separam. Com dois clássicos lançados no mesmo ano, a banda vivia uma fase intensa. A saída de Gillan e Glover marcou o início da formação chamada de MK III, que fez uma estreia literalmente incendiária em Burn e a turnê de promoção do álbum também foi um sucesso e acabou rendendo mais um álbum. Em Stormbringer Blackmore estava nitidamente mais discreto, a despeito dos momentos brilhantes como na própria música título com um riff magistral e um solo memorável ou na balada Soldier of Fortune, em contrapartida Glenn Hughes aparece mais nas composições e também nos arranjos, trazendo uma referência mais funky pra sonoridade da banda, o que obviamente agradou a alguns e desagradou a outros. Fato este que a médio prazo acabou causando a saída do guitarrista no dia 7 de abril de 1975, a poucos dias do seu aniversário de 31 anos – em 14 de abril. Claramente insatisfeito com os rumos musicais da banda, o que ocasionou a criação do Rainbow com Ronnie James Dio nos vocais (história pra outro Mosh Classic). Glenn Hughes chegou a declarar, que independente de Blackmore dizer que não gosta de Funk, ele é muito bom tocando o estilo e fez um trabalho maravilhoso no álbum.
A icônica capa foi criada a partir de uma foto de Lucille Handberg, feita no dia 8 de julho de 1927, fotografando um tornado na cidade de Jasper/Minnesota. A foto de Lucille se tornou mundialmente famosa e também foi utilizada na capa de Britches Brew de Miles Davis e Tinderbox de Siouxsie and the Banshees. Aproveitando a menção do tornado, curiosamente na trilha sonora do filme Tornado foi utilizado uma música do Deep Purple, porém apesar da imagem ser da MK III tocando, a música utilizada foi Child in Time que é da formação anterior, MK II.
O álbum foi gravado e mixado num prazo relativamente rápido de dois meses, entre agosto e setembro de 1974, alternado entre os estúdios Musicland em Monique na Alemanha onde ocorreram as gravações e Record Plant em Los Angeles onde fizeram a mixagem. A produção continuou nas mãos do mago Martin Birch, que já vinha com a banda desde o In Rock.
Em relação ao título do álbum e a inspiração existe muita controvérsia, pois existe uma relação do nome com o escritor britânico Michael Moorcock, onde Stormbringer era uma espada mágica descrita em diversos contos do escritor, porém Coverdale sempre negou que tivesse se inspirado nisso. Inclusive numa entrevista dado no ano de lançamento do álbum, ao New Musical Express – tradicional revista de música britânica, ele declara: “Eu escrevi a letra sobre uma criatura mítica chamada Stormbringer, que em uma história surrealista, cria diversos problemas. Mas eu nunca considerei o trabalho de Michael Moorcock”. Controvérsias à parte, Stormbringer abre o álbum com o pé na porta, com a banda vindo com tudo e Jon Lord fazendo um tema marcante no moog. Coverdale faz uma narração curiosa não muito inteligível aos ouvidos e segundo Gelln Hughes, ele reproduz um dos diálogos do filme Exorcista, da personagem da atriz Linda Blair com o padre. Coverdale cantado os primeiros versos numa letra bem enigmática “Comin’ out of nowhere, drivin’ like rain/Stormbringer dance on the thunder again/Dark cloud gathering, breaking the day/No point running ‘cause it’s coming your way” e o riff de guitarra conduz a música com suporte da levada contagiante da cozinha de Glenn Hughes e Ian Paice, mostrando que peso e groove podem sim conviver juntos. Impossível não balançar a cabeça junto. A fórmula campeã das vozes de Coverdale e Glenn Hughes está intacta e com aquele contraponto entre o vocal rouco e rasgado e o limpo e agudo. Simplesmente perfeito. Blackmore chega com tudo no solo, sendo na minha opinião um dos seus melhores solos. Esta música é um verdadeiro petardo, jogo ganho no primeiro movimento. Love Don’t Mean a Thing já vem mais na ‘manha’ numa levada cadenciada, com muito groove, onde se percebe uma certa influência da Motown. Nesta época Coverdale e Hughes estavam muito ligados no que estava rolando dentro do estilo. Ela segue numa estrutura musical similar à Might Just take Your Life do álbum anterior, e no final Blackmore faz um belo solo, com a guitarra praticamente sem efeito. Holy Man é uma bela balada cantada magnificamente por Glenn Hughes que capricha na interpretação, Blackmore prova que simplicidade é sofisticação, tornando sem dúvidas esta música um dos pontos altos do álbum. Jon Lord aparece com tons brilhantes no seu moog abrindo a passagem pro maravilhoso solo de Blackmore. Em Hold On ‘voltamos’ à Motown, a música lembra muito a sonoridade que Coverdale traria nos seus dois primeiros álbuns solo. E como bônus ainda temos a guitarra de Blackmore e um bonito solo de Jon Lord, num timbre que lembra algo próximo ao piano Fender Rhodes. Assim fechamos o lado A e começamos o Lado B com um riff ala Blackmore com Lady Double Dealer trazendo um pouco mais de peso e velocidade com destaque pra performance de Paice.
You Can’t Do It Right (With the One You Love) pra mim é a mais perfeita combinação de Motown com Hard Rock que se poderia conceber na face da Terra. Blackmore e Jon Lord abrem um diálogo na introdução enquanto o baixo de Glenn Hughes entra ‘roncando’. Até difícil destacar alguém nesta faixa, todos estão maravilhosamente perfeitos, e Jon Lord solta a mão num solo magnífico de moog, o sincronismo das vozes é de uma precisão absurda, numa época que não havia edições automatizadas e nem auto tune, somente vozes ‘a vera’. High Ball Shooter mantém a pegada e traz mais velocidade voltando mais pro Hard Clássico da banda, num riff característico de Blackmore e um refrão que fica na cabeça na primeira audição. Aqui temos mais espaço para Jon Lord, que mostra porque é o mestre do Hammond num solo destruidor. Gypsy é uma das minhas músicas favoritas da banda e na minha opinião, pouco lembrada. A letra conta a história de um homem que acredita estar amaldiçoado e preso num feitiço e pede ajuda de uma cigana para que possa se livrar deste peso e seguir seu caminho. Ao contrário das demais músicas onde a dinâmica Coverdale/Hughes tem partes alternadas, ela é inteiramente dobrada pelos dois, criando um efeito muito bonito. Sinceramente nunca vi uma combinação tão perfeita entre duas vozes, sem contar que ambos estavam em excelente forma nesta época. Fechando o álbum com chave de ouro temos a bela e melancólica balada Soldier of Fortune. Esta música na minha opinião é uma obra-prima da banda, tendo uma das melhores letras de Coverdale e uma de suas melhores interpretações e Blackmore elevou o nível com um solo de tirar lágrimas de pedra.
Assim chegamos ao final deste clássico que acabou sendo na época, o canto do cisne de Ritchie Blackmore que após a perna europeia da turnê saiu e montou o Rainbow, e o resto é história. Vale conferir as versões remasterizadas, inclusive a edição de aniversário 35 anos contou com remixagem do próprio Glenn Hughes feita no Abbey Road.
*Ficha técnica
Banda – Deep Purple
Álbum – Stormbringer
Lançamento – 08/11/1974
*Line-up:
David Coverdale – vocais
Ritchie Blackmore – guitarra
Jon Lord – Hammond/teclados
Glenn Hughes – baixo/vocais
Ian Paice – Bateria
*Músicas:
01 – Stormbringer 4:03
02 – Love Don’t Mean a Thing 4:23
03 – Holy Man 4:28
04 – Hold On 5:05
Lado B
05 – Lady Double Dealer 3:19
06 – You Can’t Do It Right (With the One You Love) 3:24
07 – High Ball Shooter 4:26
08 – The Gypsy 4:05
09 – Soldier of Fortune 3:14
*Total – 36’31”