Por Emerson Mello
O contexto em que foi concebido este quarto álbum do Led Zeppelin é bem interessante, pois na época o relacionamento da banda com a imprensa não era dos melhores, devido as críticas pouco favoráveis em relação ao álbum anterior, Led Zeppelin III, que foi mal compreendido à época, inclusive citei isso na resenha que fiz deste álbum – o tempo fez justiça ao mesmo, mas à época foram bombardeados pela crítica e pela imprensa, que certamente queria uma continuação do Led Zeppelin II . Esta postura aborreceu demais os membros, principalmente Page, e fez com que a banda parasse de dar entrevistas e se distanciasse da imprensa de uma maneira geral. Este distanciamento foi saudável e permitiu que a banda pudesse se concentrar exclusivamente no novo álbum que estava surgindo, sem interferências externas. Page declarou que eles sabiam que estavam no caminho certo, pela recepção do público e pelas próprias vendagens, então isto gerou uma confiança para que pudessem criar trabalhar.
A implicância da imprensa fez com que a banda tomasse algumas decisões que foram bem ousadas. A capa não tinha sequer o nome da banda e nem o título do álbum, não tinha foto da banda nem na capa e nem na contracapa, não tem nenhuma referência de que o disco seria um álbum do Led Zeppelin, nem mesmo a logo da gravadora, o que fez os executivos da Atlantic arrancaram os cabelos dizendo que aquilo era “suicídio comercial”. Digamos então, um bem-sucedido suicídio comercial, que vendeu mais de 23 milhões de cópias só nos EUA. Nada mal hein…
Em entrevista ao jornal britânico The Times, em janeiro de 2010, Page declarou que não foi fácil sustentar esta decisão, pois a gravadora insistia para que fosse colocado um nome no álbum, mas que a banda acreditava que a melhor resposta aos críticos, seria lançar um álbum sem nome. Mas queda de braço não acabou aí, a gravadora percebendo que a banda não iria ceder, ordenou às gráficas que imprimissem os ‘4 símbolos’ em tamanho grande pra preencher a capa, para que a imprensa tivesse uma referência para as resenhas e os artigos.
Ainda na questão dos símbolos, a banda decidiu criar símbolos que representassem a personalidade de cada membro, o que levou o álbum a ficar conhecido também como Four Symbols, sendo também que era o quarto álbum da banda, o que de certa forma gerou uma mística em torno do álbum, pelo fato dele não ter um nome definido.
O símbolo de Jimmy Page é associado a palavra grega ZoSo, que numa visão espiritualista, significa salvação, tendo sido desenhada por ele mesmo, ao passo que o símbolo de Plant foi inspirado na deusa egípcia Ma’at que traz a imagem de uma pena, que significa verdade, justiça e lealdade, envolta por um círculo impenetrável que significa vida. O símbolo do baterista John Bonham, mostra três círculos interligados, e representa a trindade familiar: pai, mãe e filho enquanto o do baixista John Paul Jones representa uma pessoa com confiança e competência. Observando com atenção verificamos que os símbolos de Bonham e de John Paul Jones são similares, sendo praticamente a imagem invertida um do outro. Uma das analogias mais comuns é ao fato dos dois fazerem parte da popular ‘cozinha’, apelido carinhoso que os fãs de Rock dão pra seção rítmica de uma banda, formado pela bateria e pelo baixo. Um fato interessante é que o símbolo de John Bonham é o mesmo que aparece no rótulo da cerveja americana Ballantine Ale, que era uma das preferidas dele, o que nos faz reconsiderar a escolha do símbolo por outros motivos! rsrs
A pré-produção do álbum começou em dezembro de 1970 quando a banda se reuniu no recém inaugurado Sarm West Studios(Londres), porém devido ao fato do Jethro Tull também estar usando o estúdio para gravar o Aqualung, eles decidiram finalizar a produção em Headley Grance, local que já haviam utilizado com excelente resultado no álbum anterior. Depois de terminar a gravação das bases, eles voltaram ao Sarm West, onde adicionaram alguns detalhes e efeitos, e depois seguiram com o processo de mixagem no Sunset Studios (Los Angeles). O resultado não agradou a banda, que decidiu refazer a mix, o que adiou a data de lançamento do disco. No período desta segunda mix, nasceram algumas músicas sendo elas “Down by the Seaside”,”Night Flight” e “Boogie with Stu”, que não entraram neste álbum, somente no sexto álbum, o duplo Physical Graffiti. Inclusive Boogie with Stu teve participação de Ian Stewart dos Rolling Stones no piano, que também gravou o piano de Rock and Roll. Neste quarto disco a banda de certa forma retorna ao seu direcionamento mais voltado ao Rock Clássico e Hard Rock, porém alguns momentos mais folk ainda estão presentes. As composições ficam dividas 50% em Plant e Page, tendo os outros 50% com contribuições também de JPJ e Bonham. Recentemente a música When the Levee Breaks passou a ser creditada também a cantora e compositora americana Memphis Minnie como co-autora, onde nesta gravação do Led Zeppelin tiveram algumas alterações na letra e no instrumental.
Black Dog que abre o álbum, tem o riff composto por JPJ, já vem no melhor estilo pesado da banda com Bonham trazendo bastante peso na execução da bateria e os vocais de Plant afiadíssimos, explorando bem os agudos e trazendo uma certa agressividade. O nome da música foi batizado em ‘homenagem’ a um cachorro preto que vivia rondando os arredores e salões de Headley Grange, mas não tem relação com a letra que fala de uma relação complicada de um cara com uma mulher. Segundo Page, Rock and Roll surgiu acidentalmente quando eles tentavam terminar a música Four Sticks e Bonham fez a famosa introdução inspirada em Keep a Knockin de Little Richards (Bonham era fã do baterista Earl Palmer) e na letra Plant faz várias referências aos anos 50 e 60. O curioso desta introdução, é que ela se mostra aparentemente fácil, mas poucos bateristas tocam da forma correta, conforme Bonham gravou. Em The Battle of Evermore a banda resgata o clima folk/celta de algumas músicas do álbum anterior, onde Page a compôs no mandolim de JPJ e escreveu a letra inspirada na saga Senhor dos Anéis de Tolkien. Versos como “I hear the horses’ thunder/Down in the valley below/I’m waiting for the angels of Avalon/Waiting for the eastern glow” nos levam nesta direção. A música tem participação de Sandy Denny, uma cantora de folk britânica, e é a única participação de um cantor de fora da banda. Plant e Sandys travam uma espécie de duelo entre as vozes, uma hora fazendo contraponto, em outra dobrando os vocais, criando um efeito único com a combinação perfeita entre o timbre dos dois cantores. O resultado ficou ótimo.
Fechando o antigo lado A temos a famosa e épica balada Stairway to Heaven, música que por si só já daria uma resenha. Toda mística e reverência em cima desta música são justificáveis, sendo sem dúvida uma das maiores obras-primas do Rock de todos os tempos. A música é dividida em três movimentos, sendo o primeiro totalmente acústico e voltado às influência e referências folk e celtas,o segundo intermediário com introdução dos instrumentos elétricos e o último com a banda trazendo todo o peso com a base de guitarra de Page beirando o Heavy Metal. O início começa com um dedilhado de violão com intervenções sutis da flauta e a voz de Plant com o clássico verso inicial “”There’s a lady who’s sure all that glitters is gold/And she’s buying a stairway to Heaven”. A letra era um reflexo claro daquilo que Plant estava lendo na época, onde ele citou o livro Magic Arts in Celtic Britain de Levis Spence. O tema principal da música surgiu em 1970, quando Jimmy Page e Robert Plant estavam em Bron-Yr-Aur(País de Gales). Page sempre mantinha um gravador por perto e a ideia surgiu de fragmentos de outros trechos que ele já havia gravado. John Paul Jones fez um relato de quando ouviu a música pela primeira vez, assim que eles chegaram de Bron-Yr-Aur: “Eu peguei uma flauta e toquei um tema bem simples que nos deu uma introdução, depois fui até um piano e criei as ideias da parte seguinte, acompanhando a ideia das guitarras”. Page completa a declaração de JPJ: “Eu já tinha preparado tudo na noite anterior com o John anotado as mudanças das passagens. Naquele momento estávamos morando na mesma casa e trabalhando juntos regularmente, então no dia seguinte começamos a trabalhar nela”. A música vai crescendo “Dear lady, can you hear the wind blow? And did you know/Your stairway lies on the whispering wind?”, com acréscimo de outros instrumentos fazendo a transição do acústico pro elétrico gradativamente até culminar na preparação do solo com um riff marcante de Page. O solo também marcante, considerado por muitos como um dos maiores do Rock, tem linhas melódicas muito bonitas que permite que o mesmo seja ‘cantado’ junto ou solfejado, com escolha de muito bom gosto nas notas. Na volta a banda entra com todo peso com um riff que remete ao Heavy Metal até chegar no ápice e voltar ao início com Plant encerrando com clássico verso “And she’s buying a stairway to Heaven”. Impossível ouvir e ficar indiferente a esta obra-prima.
Abrindo o antigo lado B, temos Misty Mountain Hop, com o tema principal criado por JPJ num riff de piano elétrico, seguido pela guitarra de Page. Ela traz a banda de volta ao formato de Rock mais clássico e básico, com um refrão marcante e guitarras dobradas no solo. Na sequência temos Four Sticks, que ficou batizada com este nome por conta de Bonham ter utilizado 4 baquetas (sticks) pra gravá-la. A música tem um tema central guiado pela guitarra de Page, que cria um clima bem denso, alternando os compassos de 5/4 e 6/8 e seguido pela bateria de Bonham numa espécie de levada tribal, explorando as peças graves da bateria de forma percussiva, criando uma atmosfera meio mística e densa, ao passo que JPJ cria um clima orquestral nos teclados, com escalas orientais que completam tudo de forma magnifica. A letra meio enigmática contribui para o clima “And when the owls cry in the night/Oh baby, baby when the pines begin to cry/Craze, baby, the rainbow’s end, mmm, baby, it’s just a den/For those who hide, who hide their love to depths of life/And ruin dreams that we all knew so, babe”. A próxima música, Going to California, é outra que caberia perfeitamente no Led Zeppelin III. Uma balada acústica totalmente delicada com Page e JPJ se alternando no violão e no mandolim. Fechando magnificamente esta obra-prima, temos When the Levee Breaks, onde Bonham criou um dos maiores grooves de bateria de todos os tempos, inclusive muito sampleado ao longo dos tempos. JPJ entrou no clima fazendo uma linha magistral de baixo, colada na bateria de Bonham e Plant completou adicionando a gaita o que deu mais liga na coisa toda. A introdução fica numa espécie de transe hipnótico por cerca de um minuto e meio antes da entrada da voz. Page trabalhou muito bem o slide nesta música e que somado à gaita de Plant dá um molho que remete ao Mississippi. A música originalmente foi gravada e lançada em 1929 por Memphis Minnie em referência a uma grande enchente ocorrida no Mississippi em 1927, sendo que eles alteraram a letra e criaram uma nova melodia.
O Led IV (como é carinhosamente chamado no Brasil) teve um estrondoso sucesso comercial, indo direto ao primeiro lugar das paradas no Reino Unido, lá ficando por três semanas consecutivas e ficando nas paradas por 62 semanas. Nos EUA não foi diferente, estreando já na segunda colocação da Billboard 200, e desde então, já passou 261 semanas na parada, tendo vendido mais de vinte e três milhões de cópias no país, sendo assim o terceiro álbum mais comprado na história dos EUA, atrás apenas de Their Greatest Hits do Eagles e Thriller de Michael Jackson. Um feito e tanto, ainda mais se tratando de um artista britânico no fechado e bairrista mercado norte-americano.
Diante desta verdadeira obra-prima e do avassalador sucesso, a crítica então não teve opção senão reconhecer a grandiosidade da banda, tanto na época quanto ao longo do tempo a banda ainda coleciona críticas positivas do álbum. O fato é que temos que reconhecer a coragem artística da banda, que teve personalidade pra seguir seu caminho e não se curvou as imposições da gravadora e nem aos caprichos da imprensa. Tivessem eles feito isso, talvez esta obra-prima inigualável não teria visto a luz do dia e faltaria um disco no meu TOP 5 de Rock de todos os tempos.
*Ficha técnica
Banda – Led Zeppelin
Álbum – IV
Lançamento – 08/11/1971
*Line-up
Robert Plant – vocais/gaita
Jimmy Page – guitarra/violão/mandolim
John Paul Jones – Baixo/mandolim/teclados
John Bonham – Bateria/percussão
*Músicos adicionais
Ian Stewart – piano em Rock and Roll
Sandy Denny – vocais em The Battle of Evermore
*Músicas
Lado A
01 – Black Dog 4:55
02 – Rock and Roll 3:40
03 – The Battle of Evermore 5:51
04 – Stairway to Heaven 8:02
Lado B
05 – Misty Mountain Hop 4:38
06 – Four Sticks 4:45
07 – Going to California 3:32
08 – When the Levee Breaks 7:08
Tempo Total 42:31