Por Marcelo Souza
Neste “Lost Album”, vamos referenciar o embrião da banda inglesa Uriah Heep, que fará cinco shows na terra brasileira em 2025, como parte da turnê de despedida “The Magician’s Farewell”, que tiveram dois discos lançados e especificamente o segundo, já bem mais pesado, que foi a banda Toe Fat. Esses “Dedos Gordos ou Gordura do Dedo do Pé”, foram de suma importância para formação de diversas bandas, aqui reverenciados Lee kerslake e Ken Hensley (ambos falecidos em 2020), porém com ex-membros como John Glascock que teve passagens pela Chicken Shack e Jethro Tull, além de Alan Kendall e Brian Glascock, que fizeram parte da era glamurosa dos Bee Gees. Sem contar que o líder Cliff Bennett, também foi convidado para entrar no Uriah Heep, mas recusou.
O Toe Fat (o nome foi sugestão do manager que queria um nome esdrúxulo e fora dos padrões) surgiu da mistura do peso do Led Zeppelin com o blues do Mountain e Humble Pie, além da semente plantada pelo Cream, para neste contexto introduzir umas pitadas de rock progressivo, o que podemos dizer ter sido uma embrionária banda de hard-progressivo. Estamos falando do ano de 1969, onde muitas transformações musicais aconteciam e fervilhavam as mentes dos flowers powers. Com músicos renomados e conchavos com as gravadoras, assinaram contrato para dois discos com a Parlophone do Reino Unido e também pela Rare Earth nos EUA, onde lançaram o primeiro disco homônimo com turnê por toda Europa e EUA. Após algumas intrigas de repertório mais pesado e perdas de integrantes,
voltaram da turnê com a missão de novo disco, onde pressionados pela gravadora, lançaram um compacto com as músicas “Just Like Me” e “Bad Side Of The Moon”, esta última vinha a ser um cover de Elton John e acabou causando uma impressão melhor ao público. Diante disso, a gravadora pressionou por outro compacto onde a música autoral causasse e, espertamente colocaram o cover do Elton John no lado A e, no lado B, a inédita e autoral “Working Nights”. Sem dar o retorno esperado para a gravadora, que ameaçava despedir a banda, eles interromperam as gravações e foram para a estrada novamente para captanear uma graninha, apostando no mercado americano e dessa vez como headliner, já que não conseguiam bom shows no Reino Unido. No fim dessa turnê, Ken Hensley agora já no Uriah Heep, convida o amigo Lee Kerslake a se juntar a ele na nova banda, o que estremece a Toe Fat a recrutar os até então inexperientes irmãos, John e Brian Glascock. Com esse baque, a banda leva o segundo nocaute, dessa vez da gravadora, que ainda irritados com a pouca vendagem do primeiro disco, resolve rebaixá-los para uma gravadora de menor alcance (Regal Zonophone), praticamente os deixando sem credibilidade na sua terra natal. Nisso, já estavam mixando o segundo disco, que tinha nome e tudo (“Toe Fat Two”), praticamente decretando o fim da banda, pois o maior sucesso era nos EUA e com uma música cover. Esse disco, contava com John Konas (baixo, vocal, que por algum motivo misterioso não usou o sobrenome Glascock), Brian Glascock (bateria, vocal), Alan Kendall (Guitarra,violão, ukulele, banjo), Cliff Bennett (líder vocal) e Mox Gowland (flauta, gaita). Vamos então esmiuçar esta maravilha de 1971, cultuada e reconhecida tempos depois.
Num álbum de quase 41 minutos, cujas letras e músicas foram compostas por Alan Kendall e Cliff Bennett (menos “Indian Summer” e “Idol” com letras de Alan) e , com uma versão mais “abafada” do que o primeiro full-lenght devido a menor verba da gravadora, vem a faixa de abertura, “Steak Heat”, um rock pesado com um tempo excessivo para época, mostrando uma cadência que futuramente poderíamos dizer dos primórdios de “doom metal”, que ainda tinha uns dedilhados de banjo no início, como que desdenhando de alguma coisa pelos murmúrios juntos. Vejo também influências da guitarra de Jimi Hendrix, principalmente no refrão e da bateria preenchendo o tempo. A próxima é “Indian Summer”, com uma introdução sublime de flauta e guitarra com referência típica aos indígenas, para vir a sequência pesada a lá Mountain e Cream em se tratando de riffs, slicks e efeitos de wah-wah. Simplesmente maravilhosa.
Na sequência vem “Idol”, que parece dedicada a banda Cream com o vocal bem direcionado do Mountain, já que eram as influências marcantes da banda e por ter uma pessoa em comum nesse contexto, que seria Felix Pappalardi (baixista do Mountain e produtor do Cream) e entenderia como uma baita referência. Tenho a curiosidade de saber como surgiu esta música! Ou seria Jimi Hendrix, Eric Clapton ou Leslie West, já que foi composta pelo guitarrista Alan Kendall? Estou aguardando respostas para a redação! Detonaram agora com o blues em “There I´ll Be Changes”, que teve a participação do guitarrista Peter Green (porém não creditada) do Fleetwood Mac, que é aquela base de blues marcante para o solo mirabolante de guitarra, que também teve gaita e muita viagem na timbragem e acordes das duas guitarras, que me deixaram imaginar estar num show deles ao vivo naquela década de 70, vendo a galera com sua vasta cabeleira e bandana agitando com aquela felicidade peculiar de total liberdade. A próxima é “A New Way”, que parece um grito de desabafo do guerreiro Bennett, já que quase metade da música é de um sublime blues e a outra parte com um peso peculiar do rhythm and blues com soul music, típica da época flower power, com vocal rasgado a là Joe Cocker, como que o vocalista estivesse se esgoelando na música desse mito na versão sensacional dos Beatles em “With A Little Help From My Friends”, que muitos consideram melhor que a original. Falo da alma impregnada por ele nesta música. São quase oito minutos de recado direcionado para alguém ou alguma coisa, de um Bennett bastante seguro e resiliente. Peter Green, participa também desta música. Após este esculacho, vem “Since You`ve Been Gone”, que segue a linha pesada com quebradas, bateria solta e guitarras com misturas de scratch e solos constantes, num preenchimento sonoro completamente irrequieto que os doidões da época se amarravam. Na sequência, temos a interessante “Three Time Looser”, que dá um certo destaque ao baixo de John, com a variação de timbres da guitarra preenchendo notas nos nossos ouvidos em intervalos distintos, mostrando um pouco do mérito do produtor Jonathan Peel com os engenheiros de som John Barret e Peter Mew. Diferente e com um peso peculiar, que ficou bem instigante na sua roupagem. Um fato interessante, foi do “Rainbow” ter lançado em 1979 o álbum “Down To Earth” com as músicas “Since You Been Gone” e “No Time To Lose”, que nada tem com isso, mas a coincidência dos nomes, me levou a uma certa atenção, vide um certo histórico de Ritchie Blackmore & Deep Purple em “clonar” certas passagens de músicas. Para finalizar essa maravilhosa “bolacha”, vem “Midnight Sun”, que parece uma introdução de “Whole Lotta Love” do Led Zeppelin, que a voz rouca de Bennett é a levada, com notas constantes e menos criativas, até que depois de determinada quebrada da música, vir riffs e solos que fizeram influenciar diversas bandas futuras de hard rock. Enfim: um disco para os saudosos do rock!
*Ficha Técnica
Banda – Toe Fat
Álbum – Toe Fat Two
Lançamento – 15/09/1970
*Line-up:
Cliff Bennett – Vocais
Alan Kendall – Guitarras/violão/ukulele/banjo
John Glascock – Baixo/backing vocais
Brian Glascock – bateria/backing vocais
Mox Gowland – Flauta/harmônica
*Músicas
01 – Stick Heat 6:18
02 – Indian Summer 2:08
03 – Idol 3:32
04 – There I´ll Be Changes 6:53 (Participação de Peter Green do Flatwood Mac)
05 – A New Way 7:54
06 – Since You´ve Been Gone 4:46
07 – Three Time Looser 4:30
08 – Midnight Sun 4:42
Tempo Total – 40:48