As bandas Exhumed e Beyond Creation realizaram grandes estreias no Brasil
Texto: Henrique de Paula
Fotos: Renato Jacob
Em dia de feriado santo na capital paulista, qual pode ser a melhor opção para sua noite? Se passa pela sua cabeça música extrema, roda de mosh e cerveja, espero que você não tenha perdido o grande evento produzido pela parceria das produtoras Venus Concerts e EV7 Live em São Paulo no último dia 19 de abril: a grande estreia de Exhumed no Brasil! Mas, se perdeu confira conosco como foi.
Um dos maiores nomes do splatter mundial, formada em 1991, a lenda Exhumed fez sua primeira apresentação em nosso território, acompanhada na noite por um dos nomes emergentes da cena extrema mundial, a canadense Beyond Creation. Os americanos fizeram uma apresentação marcante e muito visual, enquanto que os canadenses, que também estreavam aqui, impressionaram o público com um som denso e técnico. A abertura ficou a cargo das brasileiras Circle of Infinity e Chaos Synopsis que tocaram com bastante garra. A casa de shows Carioca Club, no bairro Pinheiros em São Paulo, desta vez não lotou, mas o público que compareceu era devoto das bandas e o clima geral do evento foi deveras positivo. A turnê conjunta de Exhumed e Beyond Creation pelo Brasil continuou em Belo Horizonte (no dia 20/04) e no Rio de Janeiro (no dia 21/04).
CIRCLE OF INFINITY E CHAOS SYNOPSIS
Oriunda de Limeira, cidade do interior paulista, a banda Circle of Infinity – formada por Edson Moraes (vocal e guitarra), Allan Farias (guitarra), Celso Fernandes (baixo) e Alexandre Bento (bateria) – ficou encarregada da missão de dar início aos trabalhos da noite. E o fez com bravura para um público muito pequeno que não contava ainda cinquenta pessoas. O grupo, que está na ativa desde 2013, tocou músicas de seu único álbum gestado até agora, “Moments of Evil”, lançado em 2015, e apresentou ao menos uma música do álbum vindouro. Liderada por Edson que ora vocifera guturais, ora grita rasgados, empunhando sua Flying V verde amarela, o grupo deu o seu melhor, enfrentando alguns problemas técnicos na guitarra de Allan Farias. Destaques para a já clássica “Dark Souls”, com seu refrão grudento, e “We Are Puppets”, de pungente crítica social e riffs marcantes, que encerrou a apresentação precedida pela homenagem ao grande Death do gênio Chuck Schuldiner, com “Zombie Ritual”. Saíram do palco aplaudidos depois de aproximadamente trinta minutos de apresentação.
E este foi o mesmo tempo concedido ao combo de São José do Campos, Chaos Synopsis, que, mais seguros e animados no palco, elevaram um pouco o calor na casa. Assim como a banda precedente, os joseenses fincam sua sonoridade no rincão do thrash/death tipicamente brasileiro. Jairo Vaz (baixo e voz) comandou os ataques sempre brindando ao bom e velho rock’n’roll, que nunca deixa de exaltar, auxiliado pelos competentes guitarristas Luiz Ferrari e Diego Santos. Lá de trás, as viradas insanas e a cadência perfeita de Friggi MadBeats, conferiram o seguro suporte que o grupo necessitava para fazer a galera vibrar na pista. “Raising Hell” do último álbum “Gods of Chaos” (de 2017) foi uma escolha perfeita para a abertura já que revela todas as qualidades e características definidoras da banda: peso, rapidez, guitarras sincronizadas e solos melódicos, além do vocal raivoso de Jairo. “Zodiac” de “Art o Killing” (de 2013), e “Sarcastic Devotion” de “Kult of Dementia” (de 2009), foram muito bem executadas enquanto o público do Carioca crescia em quantidade na pista, e a banda em intensidade no palco. Os riffs lúgubres de “Storm of Chaos”, também do último trabalho de estúdio, dão sequência à apresentação que inclui ainda “Son of Light” (confira no YouTube o excelente videoclipe desta música!) e “Spiritual Cancer” do primeiro full-lenght, que fechou o set, acompanhada pelos olhos atentos do canadense Simon Girard, escondido no fundo do palco. O líder do Beyond Creation depois confessou a este redator que estava ali movido pela curiosidade sobre o tipo de reação que poderia esperar do público brasileiro. E, apenas para adiantar, esta reação foi a melhor possível à apresentação indefectível de seu grupo.
BEYOND CREATION
Às nove horas da noite, em ponto, as cortinas se abrem novamente e o gigante backdrop com o logo da banda canadense anuncia a entrada do grupo, enquanto uma introdução gravada soa nas caixas de som do Carioca, causando ansiedade no público. E o que se percebe logo no início da apresentação é um cuidado muito maior com a sonoridade da casa, o que me leva a perguntar se as bandas brasileiras de abertura foram tratadas com toda a justiça que merecem… De todo modo, nada, absolutamente nada, poderia ofuscar o brilho do grupo canadense de death metal progressivo que, definitivamente, roubou a noite! Simon Girard (vocal e guitarra), Kevin Chartré (guitarra), Hugo Doyon-Karout (baixo) e Philippe Boucher (bateria) são recebidos com muito prestígio pelo público que, neste momento, enche a pista da casa, sem, porém, lotá-la. Numa inusitada combinação de simpatia e imponência – esta última, garantida, em parte, pelo som ameaçador do baixo fretless de Hugo, mas, sem dúvida, também, pela densidade acachapante das guitarras de Girard e de Chartré – a banda justificou com razões de sobra a veneração dedicada de seus fãs. Há pelo menos um destaque visual na presença de palco do grupo no curioso fato de que nem o baixo nem as guitarras utilizadas pelos canadenses possuem headstock, gerando um efeito inusitado aos que contemplam os três músicos em ação no palco.
“Entre Suffrage et Mirage” do novo álbum “Algorythm”, que veio à luz em outubro do ano passado, abre a apresentação perfeita dos canadenses com um empolgado Simon Girard puxando os gritos da galera. Depois de comunicar o prazer de estar no Brasil, Girard revela que a banda tocará o último disco na íntegra, para delírio dos fãs. A beleza do dedilhado inicial de “Surface’s Echoes” não engana quem conhece o grupo, pois o que vem na sequência é um dos sons mais intrincados e complexos da Beyond Creation. “Ethereal Kingdom” conta em seu início apenas com os guitarristas no palco para criar o clima necessário à entrada triunfante das magníficas frases do baixo de Doyon-Karout. Os músicos muito aplaudidos neste momento não fazem nenhuma questão de esconder sua felicidade, e Girard estampa um belo sorriso em seu rosto. Em resposta, muitas mãos para cima com o sinal do demônio! Na sequência, a música título de “Algorythm”, como já era esperado por quem conhece o último trabalho, precedida pelo pedido – atendido! – de Girard para que os bangers paulistanos girassem suas cabeças. O vocalista e o baixista dão o exemplo no palco e agitam bastante. O som é lindo e é um dos pontos altos da apresentação dos canadenses que, a propósito, estão na ativa desde 2005, para a sorte dos habitantes de Montreal-Quebec, sua terra natal.
A curta instrumental “À Travers Le Temps et L’Oubli”, uma pequena peça tocada no piano, antecede a pesada “In Adversity” que inspira a primeira roda de mosh da noite. “The Inversion” é anunciada por Girard, e a galera agora se divide entre aqueles que continuam a girar na roda inspirados pela brutalidade do som e os que se postam em estado de contemplação da exímia técnica da banda. Em “Binomial Structures” todos os músicos estão na parte baixa do palco mais próximos dos fãs, enquanto que o baterista solitário Philippe Boucher vive seu grande momento no show, solitário atrás de seu kit. Mas, e o som do baixo de Doyon-Karout… simplesmente indizível. “The Afterlife” é a última do novo álbum e só não é a última da banda na noite porque o público a impede de sair. Os gritos em uníssono de “one more song!” são respondidos com “Omnipresent Perception” – anunciada como “some old stuff” por Girard – canção da estreia em estúdio em 2011, e por “Fundamental Process” que encerra o segundo disco “Earthborn Evolution” e também a primeira apresentação da Beyond Creation no Brasil. Que show dos canadenses! Os simpáticos membros da banda atendem o público após o show na pista, tiram fotos e conversam com os fãs, muito solícitos, autografando alguns itens que vendiam em seu merchandising particular. E os CDs dos canadenses se esgotam muito rápido…
EXHUMED
22h25: é hora de muito sangue (sangue falso, é claro…), serras elétricas e vocais ultraguturais, em uma das estreias mais aguardadas no Brasil pelos amantes do death metal. Direto de San Jose – Califórnia, talvez a resposta mais contundente da América aos ingleses do Carcass, a banda Exhumed traz o seu “horroroso” splatter aos palcos do Carioca Club. E Matt Harvey (vocal, guitarra), único membro da formação original da banda, mostra logo que não veio para brincar, com a curta e direta “Decrepit Crescendo” do clássico “Slaughtercult” de 2000. O baixista Ross Sewage, na banda desde 1994, acompanha o líder nos vocais, fazendo os guturais mais graves, dobradinha perfeita que se repete ao longo de praticamente todas as músicas do show, inclusive na que vem na sequência: “Necromaniac” do primeiro full-lenght “Gore Metal” de 1998. O experiente Mike Hamilton é a força motriz da velocidade alucinante da bateria da Exhumed desde 2011, e um dos destaques do show, inclusive na mais cadenciada “Coins Upon The Eyes”, música do álbum “Necrocracy” de 2013, que conta com um videoclipe simplesmente perturbador…
O novato guitarrista Sebastian Phillips, que figura no combo americano desde o ano passado, é o mais agitado no palco e, de modo algum, um mero figurante ao lado do chefão Matt Harvey, pois o que lhe falta em experiência o jovem músico compensa em técnica, como testemunhamos na super pesada “In My Human Slaughterhouse”, canção que inspira uma violenta roda que se abre na casa… A brutal “Limb From Limb” irrompe acompanhada da primeira participação do maníaco da serra elétrica no palco, figura mascarada toda vestida com uma roupa branca ensanguentada, encarnação perfeita da estética gore/splatter da banda. A sequência de canções do pútrido álbum “Gore Metal” é interrompida por “Necrocracy” do álbum homônimo de 2013, com as viradas insanas do baterista Mike Hamilton. A apresentação da Exhumed é longa, alcançando vinte canções, com os americanos mesclando clássicos como a nojenta “Casket Krusher”, com músicas novas, como a “melódica” “Nightwork” do álbum mais recente, tocada já perto do final da noite.
Mas a apresentação não termina sem um pouco mais de teatro gore com o maluco de branco ensanguentado tocando uma guitarra que cospe faíscas ao lado de Harvey e Phillips – ocasião em que brincam com o público com a execução de uma curta passagem de “Breaking the Law” do Judas Priest – e retornando ao palco mais uma vez com uma cabeça retirada de um saco jorrando sangue (sangue falso, é claro…) nos que ficam no famoso “gargalo”, próximos do palco. A estreia dos americanos no Brasil incluiu ainda “Torso”, que saiu em um split com a banda Hemdale chamado “In The Name of Gore” em 1996, anunciada por Harvey após um sonoro arroto no microfone. A música é bem curta, no melhor estilo grindcore, e conta com gritos femininos estridentes gravados que lhe conferem um clima desconcertante. A curtíssima “Slaughtercult” do álbum homônimo também figura no set, proporcionando-nos mais viradas insanas do baterista Mike Hamilton, além da dobradinha “Anatomy is Destiny/Waxwork” que deixa a roda ensandecida.
Antes do fim, “Deadest of The Dead”, mais uma do clássico “Gore Metal”, para presentear os antigos fãs, e “The Matter of Splatter” de “Anatomy is Destiny” de 2003, são tocadas. Aos quarenta e cinco do segundo tempo, depois de vários pedidos de bis, vêm a nova “Defenders of The Grave” de “Death Revenge” (2017), e a clássica “Open the Abscess” do muito citado primeiro full-lenght. E assim o Exhumed debutou em grande estilo em solo brasileiro, com uma apresentação intensa, teatral e agressiva. Em retrospecto, podemos dizer que os bangers que compareceram ao Carioca Club no feriado santo têm muito mais história para contar do que os que escolheram a folga prolongada para descer ao litoral. Bem, azar de quem não foi ao Carioca Club… Mas fica o alerta: é sempre um risco perder oportunidades como estas, pois podem não se repetir no futuro.
Até hoje eu choro minha ausência no show de John Lawton no Manifesto Bar…
Agradecemos imensamente a Lex Metalis Assessoria e Agenciamento pelos credenciamentos concedidos e pela confiança em nosso trabalho.
Confiram abaixo mais imagens inéditas das quatro apresentações que aconteceram nesta noite de feriado religioso no Carioca Club Pinheiros.