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Serenatas Trágicas: Triptykon Pela Primeira Vez No Brasil


Triptykon @ Carioca Club, São Paulo – 25.05.2018

 

Por Noel Bielecki
fotos @MarcosHermes

Na exótica sexta-feira, 25 de maio de 2018, eu e mais uma dúzia de fãs rangíamos os dentes com a ‘geada’ que encobria a frente da porta do Carioca Club. Casa de shows paulistana que já é notória por ter hospedado inúmeros shows dos subsolos da música extrema, abriu suas portas às 21h, contudo o show só iria começar lá pelas 23h.

“Puta show pra vampiro, este” brincava Toninho “Iron”, figurinha carimbada no underground do metal, enquanto me entregava um flyer de shows marcados para o próximo semestre.

Apesar de silencioso e bem menos cheio do que de costume, devido à greve dos caminhoneiros que impediu algumas “caravanas” de chegar no Carioca, a madrugada prometia: pela primeira e única vez, o Brasil hospedaria um dos maiores progressistas do metal: Tom Gabriel Fischer.

Há 35 anos atrás, o máximo de extremismo musical que um adolescente poderia purgar-se era encontrado embaixo dos braços do suíço Tom ao sair de uma loja de discos no Reino Unido. Segurando um EP dos pioneiros do crust-punk Discharge em um braço e o álbum de estreia do Venom noutro, era questão de tempo até haver uma maturação natural desta catarse musical para suas notas cacofônicas, idealizadas e arranhadas por Tom Warrior “Satanic Slaughter” na época, no power-trio Hellhammer.

Após um ano, o trio evoluiu, mudando o nome para Celtic Frost. A nova formação tinha Tom ao lado de Martin Eric “Ain”, baixista que o acompanhava desde o Hellhammer, e Steve Priestly na bateria, logo substituído por Reed St. Mark. Juntos reinventaram o som de seu projeto anterior com mais técnica; uma brutalidade pungente sendo intercalada com partes mais lentas (ótimos pupilos de Black Sabbath), sem falar das experimentações com orquestras e coros de maneira reservada, e fazendo seu som ainda predominantemente “cru”.

Depois de várias complicações e hiato de 1993 e 2005, o grupo renasceu em 2008 por uma última vez no projeto, agora praticamente solo, de Fischer: Triptykon. (Um jogo de palavras com o termo ‘tríptico’, que consiste em 3 molduras interligadas por uma mesma pintura).

Com este longo histórico nas costas, a expectativa para um ótimo repertório fazendo jus a todos os pontos altos das 3 fases era alta e, já me antecipando, concluída com sucesso por um show de quase duas horas repleto de clássicos!

Antes do show, a maioria dos fãs já tinha desistido de suas pernas, após as duas horas de espera, e começaram a se levantar coletivamente com a súbita mudança de clima após o som “turvo” de “Crucifixus”, ruídos do EP Shatter (2010) serem chiados nas caixas de som.

O palco era enfeitado por duas “telas” com a arte do pintor HR Giger, mais conhecido pelo seu trabalho no filme “Alien- Oitavo Passageiro”(1975), que faleceu em 2014, tendo uma bela parceria com Warrior desde a época do Hellhammer.

O berro unissônico do público tomou conta da casa, mesmo estando em uma quantidade muito menor que a média, enquanto o miúdo Warrior entra de cabeça baixa e olhos pintados e tocando as fúnebres notas de “Procreation (of the Wicked)” do álbum Morbid Tales (1984) da era Frost, com uma versão menos acelerada do que a do estúdio; emendando com outra do Morbid Tales: “Dethroned Emperor”. Em “Emperor” as viradas da bateria originalmente assinados por Priestly são quase assassinadas pelo recém-chegado Stefan Häberl. Uma pena, já que Priestly foi o realizador de viradas memoráveis, executando-as como dava, já que as poucas e isoladas notas, que dificultam qualquer groove, sempre foram marcas registradas do Frost.

Ainda sem falar com o público, seguimos com “Goetia”, do Eparistera Daimones (2010), que foi a primeira das três do Triptykon a serem tocadas na noite. Quantidade que, diga-se de passagem, satisfez na medida certa. “Goetia” é uma das poucas reinventadas de Triptykon que mesclam bem na atmosfera Hellhammer/Frost pela sua agressividade. Foi também a que mais empolgou o público das três. É de se notar o profissionalismo do guitarrista V. Santura, membro desde 2008, ao manter os seus backing vocals sem a resposta do P.A. do palco, gesticulando discretamente com o técnico e não perdendo uma nota. Nota-se também que, mesmo mantendo a pose, a velha alma de Warrior se enfeza algumas vezes com a garota Vanja, que ocupa o baixo desde 2008. É estranho notar um desentendimento motivacional dela com Warrior em uma turnê de apenas 4 shows.

O show segue em outro pé, solene, Warrior faz uma pausa e anuncia a música “Ain Elohim”: “Essa foi uma das últimas músicas que Martin compôs”. Ain, que não retornou aos palcos desde a dissolução de Frost em 2008, após a turnê do álbum Monotheist (2006) ser encerrada prematuramente, e que infelizmente nos deixou em outubro do ano passado, vítima de uma parada cardíaca. Apesar da frieza característica do Europeu, é interessante ver o lado humano de Warrior, mesmo que contido. Com um aspeto mais misantrópico e depressivo “Elohim” dita o clima da noite por um breve momento.

“Depois de 36 anos, tudo o que vocês têm para dizer para mim é Ugh?” Brinca Warrior, agora retendo os risos sobre a onomatopeia associada a ele e imitada constantemente pela plateia antes de cada música. Uma leve interação calorosa do pequeno público que quebrou a barreira gélida de “guerreiro” do Tom, mesmo que por alguns segundos. Após essa descontraída, “Into The Crypts of Rays” do álbum Morbid Tales (1984) e “The Usurper” do álbum To Mega Therion (1985) são dilaceradas com energia, até uma “puxada de freio”, com “Altar of Deceit”, segunda do Triptykon, do álbum Melana Chamasta (2014), que impera por 8 minutos e é recebida de forma morna pelo público.

Grosseiramente, é tocada uma versão peculiar de “Babylon Fell” do álbum mais experimental do Frost: Into the Pandemonium (1987), “lamacenta” e irreconhecível, passaria incógnita sem a nominação prévia de Warrior. É curioso que, apesar de Warrior ter adaptado muito bem seus álbum menos “delicados” (por falta de expressão melhor), ainda tenha dificuldade em modificar músicas de fases menos densas de sua carreira para a afinação do Triptykon.

“Necromantical Screams” (1985) foi uma bela escolha para a transição Frost/Hellhammer, refeita pelo Frost um ano e meio depois. A música era originalmente mais suja e mais rápida, com o nome de “Buried and Forgotten” da demo Satanic Rites (1983) executada como um “meio-caminho” entre as duas versões, suja e ainda tecnicista, rápida e ainda fúnebre.

“Houve um tempo, em que eu fazia parte de uma banda chamada Hellhammer, isto é algo deles” dizia Warrior antes de emendar “Massacra”, “Reaper” (escolha peculiar por ser um “lado B” e recebido como uma jóia rara pelos fãs) e “Messiah”. Esta última, contendo a frase tornada “lema” pelos fãs e até copiada pelo Sepultura na música “Troops of Doom”: “Only Death is Real”. O mais interessante é que, mesmo com essa exclusiva característica misantrópica e nihilista nas letras Hellhammer era motivo de chacota na época, por sua essência “pouco polida” até para os padrões do underground. Hoje vinga, sendo lembrado com orgulho pelos fãs, e sendo um pico da noite.

Continuando com os jargões, Warrior anuncia:

“Vocês são Mórbidos?”, frase da faixa-título de “Morbid Tales”, repetidamente, antes de tocá-la, e respondido com gritos empolgados e equivalentes da plateia; o suíço mirrado sabe comover o público quando quer…

O show para muitos, eu incluso, poderia ter acabado tranquilamente aí, mas encerra-se com a terceira do Triptykon, a perdurante “The Prolonging” do Eparistera, uma música de 20 minutos que parece estender o show mais do que deveria, mesmo a performance não desanimando.

Na madrugada do dia 24, o show encerra frio: sem firulas, sem “bis” , sem despedidas desnecessárias; Triptykon fez um show limpo, de setlist equilibrado e muito peso, encerrando sua primeira turnê pela América Latina, e instigando-nos para uma segunda.

Setlist:
Crucifixus (caixas de som)
Procreation (of the Wicked) – Celtic Frost cover
Dethroned Emperor – Celtic Frost cover
Goetia
Circle of the Tyrants – Celtic Frost cover
Ain Elohim – Celtic Frost cover
Into the Crypts of Rays – Celtic Frost cover
The Usurper – Celtic Frost cover
Altar of Deceit
Babylon Fell – Celtic Frost cover
Necromantical Screams – Celtic Frost cover
Massacra – Hellhammer cover
Reaper – Hellhammer cover
Messiah – Hellhammer cover
Morbid Tales – Celtic Frost cover
The Prolonging

Mosh Live · News

Postado em julho 21st, 2018 @ 12:04 | 1.570 views
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