Memorial da América Latina | SP
29 e 30 de abril de 2023
Texto: Andrea Ariani | Fotos: Marcos Hermes
Como se preparar para uma maratona? Não aquela corrida de rua com mais de 40 km e encarada por super-humanos, mas um sprint de 40 bandas divididas em 4 palcos, em dois dias de atrações ligadas às mais variadas vertentes do Rock? Independente do planejamento, certamente foi montando suas próprias programações, na expectativa de bons shows e na oportunidade de rever veteranos e apreciar estreias que os fãs brasileiros aguardaram a realização da primeira edição do Summer Breeze Brasil – um dos primeiros dos grandes eventos inéditos prometidos para serem realizados na cidade de São Paulo, em 2023. O homônimo do festival germânico teve sua estreia e primeira realização fora da Alemanha e aconteceu em comemoração aos 25 anos do Open Air gringo que, tradicionalmente, acontece durante o verão europeu, na pacata cidade de Dinkelsbühl. Além da música, o público brasileiro pôde ter uma quase completa experiência dos festivais internacionais com todas as atrações ligadas ao Rock e Metal. Quase porque a parte de camping, que é uma característica de eventos de grande porte em cidades afastadas dos grandes centros, não aconteceu na capital paulista. Mas a estrutura montada no espaçoso Memorial da América Latina foi uma grande aliada para mostrar como esses eventos funcionam e o porquê de serem tão badalados e longevos.
Estrutura e atividades paralelas
No mapa divulgado no site oficial havia a indicação de uma grande arena com os palcos Hot and Ice alternando a programação e outro espaço com a área de alimentação, atividades paralelas e os palcos Waves e Sun. Na prática, para se deslocar de um local a outro, a imensa passarela do Memorial era o ponto de ligação e esse foi o grande desafio dessa maratona, já que subir e descer esse trecho algumas vezes ao longo do sábado e domingo exigiu um pouco de condicionamento ou a opção por curtir mais atrações em um determinado espaço para não precisar se deslocar a cada fim e início de alguma apresentação.
Apesar de uma área mais residencial no entorno, o que deve ter causado algum desconforto sonoro ao longo dos dois dias, para o público presente, começar cedo e terminar em horário compatível com acesso ao metrô e ônibus foi uma grande sacada do evento, já que, colado à estação Barra Funda, várias opções de transporte público estão disponíveis evitando a circulação de muitos carros. Além do que, com a grande estrutura dos palcos, alguns locais da estação viraram um camarote de luxo para quem não pode pagar, mas conseguia acompanhar os shows com som alto e claro e pelas imagens nos telões de alta resolução.
A pontualidade dos inícios e términos dos shows e a diversidade de estilos foram outros pontos altos do festival que também teve, além das bandas, atrações como a Horror Expo com cosplays muito bem representados por atores vestidos como ícones do terror como Pennywise e Jason da saga Sexta-feira 13. Também teve feira de discos, roupas e acessórios, além de uma mostra de artes, instrumentos e tattoos, muitas feitas nos stands durante o festival. Atividades de patrocinadores, a área kids e as sessões de autógrafos fez com a frente do auditório onde estava o palco Waves estivesse sempre movimentado e agitado por alguma atração. Os stands de comida e caixas com indicação em até quatro idiomas (inglês, português, espanhol e, obviamente, alemão) foi outra curiosidade que chamou atenção e democratizou as informações, ainda que a maioria do público fosse mesmo de brasileiros.
O tempo que estava nublado e chuvoso um dia antes do evento, deu uma trégua no fim de semana pré-feriado de 01 de maio e brindou os fãs com sol e estabilidade e não houve nenhum momento de garoa, frio ou chuva. O sol forte, aliás, foi uma grande surpresa por vezes incômoda para a horda de camisas pretas e uma maioria de bandas que tocaram nas primeiras horas do evento.
Sábado, 29 de Abril
Mesmo com a possibilidade de deslocamento fácil entre os palcos, acompanhar todos os shows e eventos era humanamente impossível já que alguns eram simultâneos ou com horários muito próximos. Então, foi preciso se programar e cronometrar os deslocamentos e intervalos para curtir o máximo possível.
Quem abriu os trabalhos no Hot Stage foi a Voodoo Kiss. Desconhecida da maioria presente, a banda tem Achim Ostertag como baterista, que é nada menos que o criador do Summer Breeze alemão. A falta de espaço e oportunidade de entrar nas seletivas de grandes festivais fez Ostertag criar seu próprio evento e é emblemático para esta primeira edição brasileira que a banda dele tenha dado início ao festival. Apesar de estarem fora de atividade e voltado somente no ano passado para shows comemorativos, a banda tem mais de uma década de formação e muito recentemente lançou seu primeiro e autointitulado álbum, gravado em 2022. Fizeram um set curto e agradou ao público com um som potente e cheio de energia para esse início de evento.
Simultânea a esta apresentação, acontecia no palco Waves, espaço premium dentro do auditório Simon Bolívar, a estreia da segunda parte do documentário sobre o vocalista André Matos. Além do show em homenagem ao eterno maestro, muitas das atrações, de alguma forma, lembraram seu legado na música, seu carisma fora dos palcos, a falta e a saudade imensa que sua precoce partida em 2019 provoca nos fãs. A première ter acontecido durante a abertura do festival no Brasil foi bastante marcante, dignificando sua importância para o Metal brasileiro e mundial.
Às 11h30, no palco Sun (do lado oposta à grande arena), João Gordo apresentava o seu Brutal Brega, com versões Punk rock para clássicos populares da música brasileira como “Sandra Rosa Madalena” de Sidney Magal e “Fuscão preto” de Almir Rogério. O show foi composto com boa parte das faixas do primeiro disco da banda, lançado em 2022. João é um cara que não esconde sua admiração por música de variados estilos e seu enorme conhecimento sobre fatos e artistas da música faz com que o BB tenha a sua identidade na escolha do repertório. E cá entre nós, não deixa de ser divertido.
A abertura do palco Ice foi com os veteranos do Death Metal, Benediction. A plateia presente em ótimo número acompanhou o show dos ingleses que celebram a volta do vocalista Dave Ingram e estão atualmente divulgando o mais recente disco, Scriptures (2020). A banda ficou muito feliz com a resposta do público, apesar de ainda ser bastante cedo para os padrões de shows em festivais de Rock. Várias das bandas do line up do SB aproveitaram a oportunidade para estender a tour por outros países latino americanos como Chile e Peru e também outras cidades brasileiras. O set deles contou com praticamente o mesmo número de músicas e sequência da tour na América do Sul com destaque para “Scriptures in Scarlet”, “Subconscius Terror” e “Magnificat” que encerrou a apresentação.
As atrações foram, a partir dali, se alternando entre os palcos e fomos registrando o máximo de informações das apresentações para os fãs do Fanzine Mosh.
Uma das apresentações mais aguardadas era a do vocalista Marc Martel. O canadense ficou conhecido como vocalista do Queen Extravaganza, banda cover abençoada por Roger Taylor e Brian May, respectivamente baterista e guitarrista do Queen, a qual Marc integrou até 2017, e também por dar voz a alguns trechos da cinebiografia de Freddie Mercury, o badalado filme Bohemian Rhapsody (2018). Em sua segunda visita ao Brasil, Marc veio acompanhado de sua (competente) banda para o show em homenagem ao quarteto britânico com o modesto nome de “The world most spetacular Queen tribute show”. Ele brincou que era a atração mais Metal do evento no dia, e que esta era a banda com os melhores hits do festival. Não sem alguma razão nessa afirmação, o quinteto desfilou clássicos numa performance sempre muito certeira de Martel. Além da semelhança vocal com Freddie Mercury, ele também reproduz alguns trejeitos do eterno lead singer do Queen. Abriram com “Tie your mother down”, seguida por “Hammer to fall”. Além de “Crazy little thing called love” e uma versão pesada de “Stone cold crazy”, Martel dedicou “Radio Gaga” à Roger Taylor e fechou o show com simpatia e dever cumprido entoando a dobradinha “We will you rock” e “We are the champions”.
Se até o momento houve alguma crítica foi o fato de o festival colocar atrações com potencial de palco grande na programação do palco menor, no caso, o Sun Stage, com estrutura menor do que os dois principais e sem nenhum recurso visual. Com isso, gigantes como Accept (no sábado) e Stratovarius (no domingo) ficaram em uma estrutura pequena, num palco sem telão e com um público enorme se espremendo em um espaço limitado. Uma das grandes a ter esse desafio foi o quarteto feminino Crypta. Vindas de uma turnê bastante conturbada nos EUA, onde o tour bus da banda foi destruído por um tornado em Illinois no final de março deste ano, e com disco novo a ser lançado, foi com as faixas do Echoes of the soul (2021), álbum de estreia, que elas fizeram o set, mostrando o poder do Metal e a sempre marcante presença da vocal e baixista Fernanda Lira. Destaque também para uma bandeira estendida na galera dando as boas-vindas à guitarrista Jessica Di Falchi que, depois de substituir Sonia Anubis, foi definitivamente integrada à banda.
Enquanto também em outro palco o Tuatha de Danann tocava no auditório, longe do sol e com um belo ar condicionado, no Ice Stage foi a vez de integrantes do Viper, Shaman e Angra prestaram sua homenagem ao legado do André Matos. O som do Hot Stage que estava impecável para Martel não se refletiu no palco ao lado para a apresentação dos brasileiros. O Viper abriu os trabalhos com som embolado, o microfone do vocalista Leandro Caciolo sem som e uma performance bastante comprometida de “A cry from the edge”. Só veio a melhorar com “Living for the night”, clássico como sempre cantado em uníssono pelos presentes que lotavam a frente do palco para homenagear o eterno maestro. A presença da dupla Rafael Bittencourt (guitarra) e Felipe Andreoli (baixo), representando o Angra, não melhorou o som. Mesmo assim, tocaram “Lisbon” e “Make believe” com Alírio Neto nos vocais. O show só ficou melhor mesmo e com som descente no set do Shaman. Com Rodrigo Oliveira do Korzus na bateria, Hugo na guitarra, Luis no baixo e Fabio Ribeiro nos teclados, abriram com “Turn Away” seguida por “For tomorrow”. Alirio contou como conheceu André e dedilhou um trecho de “Who wants to live forever?” do Queen, banda que Matos também adorava e encerrou o set com “Fairy Tale”. A força da banda mostrou que eles deveriam reconsiderar e seguir na divulgação do disco mais recente com um novo baterista. No fim, todos voltaram ao palco para tocarem “Carry on”, faixa do primeiro disco do Angra e uma das mais conhecidas do André. Mesmo tendo espaço no palco de grande repercussão, a merecida homenagem poderia ter sido maior, mais valorizada e com um pouco menos de improviso.
Já com o palco ornamentado com referências e cores da bandeira dos EUA, o Skid Row foi a primeira das representantes do Hard Rock a tocar no Hot. Mesmo sem Sebastian Bach longe da banda há anos, sua personalidade ainda é muito ligada ao seu ex-grupo. Não à toa, os maiores hits deles tem Bach como interprete e não fazer uma comparação com a semelhança e estilo do atual vocalista, o sueco Eric Grönwall, é inevitável. A banda está recentemente na tour de divulgação de The Gang´s all here (2022), mas foram os clássicos que fizeram a alegria dos fãs presentes. Ver Dave Sabo (guitarra) e Rachel Bolan (baixo) tocando “18 and a life”, “Monkey business” e “In a darkened room” desperta a nostalgia de quem acompanhou o auge da banda nos anos 90. “Youth gone wild” fechou o set com o público claramente pronto para mais hits, se houvesse tempo disponível.
A faixa das 4 da tarde foi uma das mais disputadas do dia. Enquanto o Sepultura dava sequência na programação do Ice, o Lord of the Lost tocava no Sun. Os veteranos brasileiros estão em tour de divulgação do Quadra (2020). E, além de clássicos como “Refuse/Resist”, “Arise” e “Territory”, algumas faixas desse álbum fizeram parte do set, como “Isolation” que abriu o show, “Ali” e “Agony of Defeat”. O set curto não matou a saudade dos fãs do Brasil, mas é sempre bom vê-los na escalação dos festivais que passam pelo Brasil e com estrutura digna de sua importância. Já, com menos tempo de estrada, o quinteto alemão Lord of the Lost foi uma das boas surpresas inéditas do line up. Com pouco mais de uma década de formação, a banda que tem uma performance potente, com um som mais voltado para o Industrial/Gótico e surpreendeu os presentes com um set só de sons próprios e divulgando o mais recente trabalho, Judas (2021). Para quem curte algo na linha Rammstein e Nine Inch Nails vale ouvir. Ao vivo eles são sensacionais e mereciam ter mais tempo para mostrar seu trabalho para o público brasileiro.
No mesmo horário, no palco Waves, era a vez de Bruce Dickinson fazer a aguardada palestra. Outro diferencial do evento foi trazer grandes nomes da música não exatamente em suas funções originais. Bruce, que passou pelo Brasil com o Iron em 2022, voltou ao país para shows em homenagem ao Jon Lord e Deep Purple e para um bate-papo com os fãs no Summer Breeze. O palco Waves usou a estrutura do grandioso teatro Simon Bolivar – aquele que pegou fogo em 2013, foi restaurado e reinaugurado em 2017 – para alguns eventos especiais como as palestras e apresentações para quem adquiriu ingressos para esse espaço exclusivo. Como bom britânico e seguindo à risca a pontualidade dos horários do festival, Bruce adentrou ao palco, dessa vez vestido com uma camisa informal, gorro e jeans para uma plateia ansiosa que lotou os 2800 lugares do espaço. A maioria dos fãs sabe que Bruce é um cara multi tarefas além de ser um dos maiores vocalistas do Metal mundial. Para quem leu seu livro “What´s this button do?” alguns temas da conversa não foram bem uma novidade já que a palestra resume boa parte do conteúdo de sua autobiografia. Ele fala do parto difícil que sua mãe teve, do tio que o inspirou a ser piloto, da sua fixação em deixar crescer um bigode desde os 15 anos, da sua eterna admiração por Ian Gillan (vocal do Deep Purple), do seu início na música e no Iron, além de se auto sacanear naquele típico humor britânico, compreensível para a maioria dos presentes que entendem o idioma apesar do sotaque bastante acentuado do frontman. Bruce deu ênfase ao empreendedorismo com sua empresa de aviões, com a cerveja Trooper que tem produção local em cada país em que é licenciada e como a sua cura no câncer de garganta e cabeça, diagnosticado em 2015, o fez valorizar ainda mais as oportunidades da sua vida e as possibilidades que ela nos oferecem. No horário marcado, o vocal se despediu da plateia que só o viu cantarolar um pouco de “Let it be” dos Beatles e falar (da beleza e das bundas grandes) das mulheres brasileiras. Para se aprofundar no assunto e especialmente no capítulo que ele dedica ao Brasil, vale a pena ler o livro e entender melhor a trajetória dele.
Fim de tarde, era a vez de uma das bandas mais aguardadas do dia. O Lamb of God não tocava no Brasil desde 2017. Desde então, lançaram um disco homônimo em 2020 e o badalado Omens em 2022. O show sempre explosivo teve um set curto e não suficiente para satisfazer a horda de fãs presentes e ansiosos para vê-los ao vivo. O vocal Randy Blythe, em vários momentos, falou de como sempre colocam o Brasil nas tours porque é um lugar especial de tocar e que estão há 12 anos tocando em São Paulo e em outras cidades brasileiras, sempre bem recebidos. Além disso, fez questão de reverenciar o Sepultura que tocou antes deles, e dizer que é sempre bom estar perto de lendas como os músicos brasileiros que são uma referência para eles. O baterista Art Cruz, inclusive, estava usando uma camiseta do Sepultura durante o show. E ver caras como eles falando tão bem desse gigante do Metal nacional é algo que nos orgulha. O set deles contou com clássicos como “Ruin”, “Redneck” e “Laid to rest”, além de sons mais recentes como “Memento Mori”, “Ditch” e a faixa título do disco mais recente, “Omens”. Na linha “se minha opinião contasse”, eu diria que esse deveria ter sido o show de encerramento, mas ainda havia mais bandas (especialmente alemãs) por vir.
Finalizado o show do LOG, era a vez de outro veterano: Stone Temple Pilots. Apesar de muito da imagem e das músicas da banda serem ligadas à Scott Weiland, o atual frontman, Jeff Gutt, tem o timbre e a presença de palco bem parecida com ex-Velvet Revolver. E deu conta de dar um novo gás nos antigos hits e conquistar os fãs. O STP é também uma das bandas sempre escaladas para festivais americanos e europeus e conseguem permanecer em atividade. Apesar de terem discos recentes, como o Perdida (2020), os hits antigos é que foram o grande destaque do show. Abriram com “Wicked Garden” seguida por “Vasoline”. Jeff interagiu muito com o público que cantou a maioria das músicas como “Big empty”. O ponto alto mesmo foi “Plush” cantada lindamente em uníssono pelo público. Esta teve “Interstate love song” na sequência e “Sex type thing” que encerrou o show em alto astral, terminando assim a programação do dia no palco Ice.
No palco Sun, o som eletrônico do Perturbator destoava dos gigantes do Metal tradicional que viriam na sequência nos outros dois palcos. O duo formado pelo músico francês James Kent, o Perturbator, e o baterista Dylan Hyard colocou pouca gente em frente ao palco. Mas, além do som bastante diferente, a concorrência era desleal. No palco Hot, se preparava para encerrar a programação ninguém menos que o Blind Guardian.
Apesar dos veteranos do Power Metal alemão terem lançado The God Machine ano passado, a atual turnê comemora os 30 anos do álbum Somewhere Far Beyond, de 1992. Com um som altíssimo e comandando uma plateia de fãs deslumbrados, o vocal Hansi Kürsch disse que eles demoraram muito para voltar a tocar no Brasil e que isso jamais irá acontecer novamente. Foram oito anos sem show deles por aqui e há a promessa de que retornem ainda em 2023. Ostentando um dos sets mais extensos até então, o público cantou clássicos como “Theatre of Pain”, “The Quest for Tanelorn”, além das faixas “The Bard’s Song – In the Forest” e “The Bard’s Song – The Hobbit”. O show, com uma plateia extasiada, encerrou com simplesmente “Valhalla”, uma das mais conhecidas da banda, e “Mirror Mirror”.
Já no palco Sun, o Accept se espremia para mostrar seu gigantismo e porque deveriam estar entre as atrações a fechar o dia em um dos espaços maiores e principais do evento. Uma das bandas mais longevas do Metal old school, são frequentes as tours deles por aqui. E, lançando sempre material novo desde 2010, a banda atualmente divulga Too mean to die (2021). Com um set mais enxuto, a banda deu prioridade para alguns clássicos como “Restless and wild”, “Metal heart” e o maior de todos, “Balls to the wall”. Ainda que com espaço e tempo restrito, a banda conseguiu mostrar porque tem essa legião de seguidores que sempre os acompanha em suas apresentações – seja em que tamanho de palco/estrutura for.
Os finlandeses do Apocalyptica lotaram o auditório para finalizar a programação do sábado. Eles ficaram mais conhecidos pelas versões sinfônicas de músicas do Metallica, mas, ao longo da carreira e dos vários discos lançados, o quarteto pode mostrar que, além de uma apresentação sempre vibrante, instrumentos menos convencionais e mais ligados à orquestras, como os cellos, são, sim, capazes de reproduzir o Metal mesclando o peso e a leveza do instrumental. Nessa mais recente apresentação em São Paulo, além de sons próprios e covers, a apresentação contou com participação de Simone Simons, do Epica, no single “Rise Again”, faixa originalmente instrumental do disco Cell-0 de 2020. E, para essa plateia seleta, o festival finalizou as atividades do dia. Era hora de tentar repor as energias já que em menos de 12 horas, o público estaria de volta para mais um dia de muito Rock e Metal.
Domingo, 30 de Abril
De volta à maratona de shows, o domingo começou com tempo fechado, mas antes das 11hs da manhã o Sol já brilhava forte. Quem abriu a programação do dia no Hot Stage foi o Krisiun. A banda fez o chão do Memorial tremer com seu som sempre potente e brutal. Com menos de 1 hora de show, o set contou com apenas 10 músicas. Algumas faixas do mais recente trabalho, Mortem Solis (2022), como “Necronomical” e “Swords into flesh”, estiveram entermeadas por clássicos como “Combustion inferno” e “Blood of lions”. A banda também incluiu a cover de “Ace of spades” do Motorhead no set, deixando o público no grau para o que viria na sequência.
E, sem dúvida, foi um belo aquecimento para a galera que chegava para o show do Grave Digger. Uma das bandas mais longevas dessa escalação mostrou que o Metal old school continua vivo e mantendo uma nova base de fãs que cantou junto clássicos dabanda. O desafio dos alemães, além do calor, era sintetizar 40 anos de carreira e mais de 20 discos lançados. Divulgando o mais recente trabalho, Symbol of eternity (2022), o quarteto liderado pelo vocalista Chris Boltendahl, priorizou mesmo as músicas mais conhecidas. E ganhou o público tocando sons como “Healed by metal”, “Excalibur” e “Heavy metal breakdown”. A galera fazia o coro de “olê, olê, olê, Digger, Digger” a cada intervalo entre as músicas e a banda saiu feliz com o resultado e com o sempre grande público presente em suas apresentações no Brasil.
Com gigantes abrindo a programação do dia, o Vevelt Chains acabou tocando para poucas pessoas. A banda certamente é uma das mais novas do line up, com apenas um EP e o álbum de estreia, Icarus (2021), lançado. Mais um na linha do Hard Rock, vale a pena procurar para escutar a banda que, tomara, possa ter uma nova chance de retornar e mostrar mais do seu trabalho.
Em shows simultâneos, o Project 46 tocou no Sun Stage enquanto Rafael Bittencourt, guitarrista do Angra, voltou ao palco Waves, depois da participação ao André Matos no dia anterior, para se apresentar com seu projeto solo. O quinteto paulistano Project 46 também é escalado frequentemente em festivais nacionais e, apesar de ter discos lançados em inglês, foi com set que são conhecidos, com letras em português, que montaram sua apresentação no SB. Músicas como “Atrás das linhas inimigas”, “Pode pá” e a clássica “Erro + 55”, botaram a galera pra agitar. Foram também, após o show, uma das bandas que mais tiveram procura pelos autógrafos nas sessions que rolaram com os fãs em frente ao auditório do palco Waves.
De volta à arena principal, uma das estreias que fãs da banda sueca mais aguardava: (finalmente) um show do H.E.A.T no Brasil. A vinheta que antecedeu a entrada da banda trazia “The heat is on” de Glenn Frey como trilha e já mostrava que a apresentação ia ser animada. Com calças de couro, muito bate cabeça e todo o estilo saudosista de bandas de hair metal dos anos 80, a banda formada em 2007 parecia mesmo ter saído de alguma máquina do tempo porque o som é bastante inspirado no Hard Rock de bandas como Poison, Motley Crue, Guns n´Roses do início de carreira. Até no próprio Skid Row que, aliás, conta com Eric Grönwall que foi vocalista do H.E.A.T antes do atual e carismático lead singer Kenny Leckremo. Apesar do pouco tempo de formação, a banda já tem sete álbuns lançados, sendo Force Majeure (2022) o mais recente – e o primeiro com Leckremo na formação. Ótimas faixas como “Back to the rhythm”, “Rock your body” e “Redefined” fizeram parte da primeira parte do set. Extasiado com o retorno do público, o vocal corria o palco todo. Antes de anunciar “One by one” disse que é a primeira vez no Brasil e que sabia que tinha fãs esperando por essa vinda deles ao país. Enrolado em uma bandeira do fã-clube brasileiro, o vocal fechou o set com “A shot of redemption”, mostrando que é uma banda que deveria voltar em mais ocasiões para shows solo ou com mais tempo porque tem energia e um ótimo instrumental.
Outros estreantes a tocar no mesmo espaço foram os ingleses do Bury Tomorrow. Se apresentar com sol fritando não era bem a ideia do vocalista Daniel Winter-Bates que repetiu várias vezes ao longo do show que as luzes fazem parte da apresentação e que não poder usá-las tira um pouco do sentido de preparam. Expoentes do Metalcore da década de 2010, o sexteto também é escalação frequente em festivais internacionais. Para uma maioria que tinha camisas do Kreator e Avantasia, o som mais pesado e da vertente mais, digamos, “moderna” do Metal não agradou. Foi uma das atrações menos prestigiadas, apesar do grande público em frente ao palco. O sol realmente estava mais quente que o esperado e esse fato dispersou o público que tentava pegar alguma sombra nos stands de bebidas. Ainda assim, a banda conseguiu fazer um set curto, mas que mostrou a potência do som em faixas como “Earthbound”, “Begin again”, “Cannibal” e “DEATH (Ever Colder)”.
No palco Sun, aquele menos glamouroso, tocava na sequência o Finntroll. Os finlandeses já vieram algumas vezes ao Brasil e são sempre muito bem recebidos pelos fãs que curtem o visual lúdico que compõe a mistura do Folk com Black Metal no som da banda. Um bom público acompanhou o set também curto, mas muito pesado e performático do septeto. Atualmente em divulgação de Vredesvävd (2020), os sons são mais curtidos do que gravados na memória já que algumas faixas têm títulos quase impronunciáveis. Músicas como “Människopesten”, “Trollhammaren”, “Under bergets rot” e “Jaktens tid” fizeram parte da apresentação sempre muito satisfatória de assistir.
Numa disputa também simultânea de apresentação de veteranos, enquanto o Vixen se apresentava no palco Waves, o Testament marcava a presença do old Thrash Metal na programação do dia. E, com uma das melhores formações da carreira, os veteranos da cena californiana voltaram ao Brasil simplesmente com Dave Lombardo (ex-Grip Inc. e Slayer) na bateria. Apesar de Titans of Creation (2020) ser o trabalho mais recente, com pouco tempo de set, o jeito foi focar em clássicos e sons que a os fãs cantaram junto como “Rise up”, “Over the wall”, “Into the pit” e “Alone in the dark” É sempre bom ver um clássico do Metal ao vivo e o Testament é satisfação garantida de barulho, legado e muito talento reunidos em uma única banda.
Na sequência das atrações do dia, o domingo exigiu mais deslocamentos para aproveitar tudo o que rolou e, novamente, a faixa das 4 horas da tarde dividiu os fãs. Era preciso escolher entre Winery Dogs, Beast in Black e a palestra de Simone Simmons, vocalista do Epica, no Waves. Nenhum deles é novidade por aqui, mas é daquelas figurinhas repetidas que a gente não cansa de ter na coleção. O Beast in Black foi a que atraiu menos público apesar do grande show que apresentaram no Sun Stage. Era esperado já que concorrer com Richie Kotzen (vocal e guitarra), Billy Sheehan (baixo) e Mike Portnoy (bateria) não é tarefa fácil. O power trio retornou ao Brasil para remomerar as faixas dos quatro discos da carreira já que, após o hiato, não lançam material novo desde 2017. E quem liga? “Gaslight”, “Breakthrough”, “Desire” e “Oblivion” são faixas que sempre empolgam e agitam os fãs. O som perfeito e (bem) alto parecia querer atrair todos os presentes para frente do palco deles. Mas o público ainda tentava guardar energia para mais veteranos que viriam.
Já no Waves, era esperado que a presença de Simone Simons rendesse uma palestra expositiva sobre suas outras atividades além dos vocais do Epica. Fotógrafa, blogueira, influencer de maquiagem são algumas das atividades informais e paralelas da cantora, porém parte desse conteúdo foi relatado em uma entrevista mediada pela vocalista do Torture Squad, Mayara Puertas. Não deixa de ser interessante um fã ter acesso a um evento exclusivo com um ídolo, mas parte da pauta da entrevista não passou de mais do mesmo. Com um auditório muito menos cheio do que na tarde anterior e, em sua maioria, composta por mulheres, Simone falou sobre seu início de carreira, sobre as vocalistas e mulheres no Metal, como se manter relevante no cenário e saudável entre um show e outro e também como concilia a carreira musical e suas atividades paralelas com a maternidade. Uma parte da entrevista teve perguntas feitas pela plateia presente. Sobre sua participação na noite anterior no show do Apocalyptica, Simone falou sobre como foi fazer essa gravação com vocais mais líricos do que habitualmente faz no Epica. As bandas são amigas e já excursionaram juntas como destacamos aqui no Fanzine Mosh quando falamos com Simone em 2021 para falar dos trabalhos pós-pandemia e da tour Epic Apocalyptica. Sobre a participação dela em uma faixa do Angra – a faixa título do disco Secret Garden, de 2014. Ela falou que foi um momento especial já que, falando em maternidade, ela gravou quando seu filho mais velho era ainda muito pequeno e certamente, por ele estar muito próximo a ela naquele período, a voz dele deve ter aparecido no disco porque ele só parava de chorar ou resmungar quando ela estava cantando. Fazer essa gravação em casa, no momento de maternidade recente, foi bem interessante para ilustrar as multi atividades de uma mulher, seja em qualquer posição que ela ocupe profissionalmente. Como novidades, Simone também falou que o Epica vai fazer parte do Summer Breeze alemão e que eles devem começar a compor o novo disco a partir da metade de 2023.
Já no fim de tarde, um dos maiores nomes do festival mostrou o seu gigantismo numa apresentação lotada de clichês do Thrash metal.O Kreator teve luzes, jatos de fogo, cenário elaborado e todo o aparato visual e sonoro para mostrar a potência do seu som. Além de reforçar o porquê são um dos gigantes do Metal alemão. Mille Petrozza (vocal e guitarra) falou que desde 1992 o Kreator vem ao Brasil e, certamente, esse público do Summer Breeze foi o maior. Realmente foi uma das maiores audiências do festival e um dos shows mais altos de todo o evento. Atualmente divulgando o 15º álbum de estúdio, não foram só as músicas de Hate Über Alles” (2022) que estiveram presentes. E nem poderiam porque são muitos clássicos para incluir. “Enemy of God”, “Satan is Real e “Hordes of chaos” foram algumas. Petrozza falou do quanto foi difícil ficar sem os shows e os fãs durante a pandemia. E que nesse período compôs “666 – World divided”, faixa que tocaram na sequência. Agitando e comandando a galera, Mille também brincou com o público que já se aglomerava em frente ao outro palco para a apresentação do Avantasia. Ele disse “Vamos ter que fazer um set mais curto porque o Avantasia tem que tocar, então, vamos de alguns clássicos”, divertindo os fãs presentes. Chega a ser incoerente a sequência de que veio na arena principal após os alemães, mas, coisas de festival. Encerram com “Violent Revolution” e “Pleasure to kill” para delírio de uma imensa maioria que dispersou após o show deles.
No pequeno intervalo entre as atrações dos palcos principais, tocou no Sun Stage o Napalm Death. Esse pode dizer que fez um set extenso já que as músicas têm curtíssima duração. Um bom público prestigiou a apresentação sempre pesada dos ingleses. O Grindcore não é um estilo fácil, que entretém, mas bota o dedo em feridas que normalmente outros estilos evitam ou não se atrevem. Em determinado momento do set, por exemplo, alguém gritou “Fora Bolsonaro”. Mesmo o ex-presidente não sendo uma figura tão proeminente como foi nos quatro anos anteriores, ainda desperta manifestações acaloradas. E sobre isso, o vocalista Mark “Barney” Greenway, o único a falar sobre política durante todo o evento, disse que espera que a justiça seja feita. Não usando exatamente palavras muito gentis. Além de faixas como “Fuck the factoid”, “Scum” e “The Kill”, tocaram a clássica “You Suffer” – aquela que tem 1 segundo de duração. Fecharam o set com a cover de “Nazi punks fuck off” do Dead Kennedys e “Siege of power”.
Com ainda dois gigantes do Metal melódico para se apresentar antes das atrações finais não conseguimos acompanhar o show da Electric Gipsy, banda mineira que foi a vencedora do concurso “New blood”, que tinha como intuito revelar uma banda nova no festival, escolhida por votação popular. Simultânea a essa apresentação rolava a epopeia de Tobias Sammet e seu Avantasia e seus vários convidados. A banda é adorada pelos fãs brasileiros que também lotaram a área da arena principal para curtir o show que realmente é muito bonito e hipnotizante. O cara sabe como juntar talentos e o destaque da noite foi a participação do ex-Mister Big, Eric Martin, nas faixas “Dying for an angel” e “Avantasia”, além da emocionante interpretação de Adrienne Cowan, vocalista do Seven Spires, na faixa “Farewell”. Após um set longo e de grandes apresentações, era esperado que talvez ele pudesse fazer menção a André Matos. Sem citá-lo, encerram o show com “Sign of the cross”, faixa que o vocalista brasileiro originalmente gravou com Tobias no disco The Metal Opera, álbum de estreia do Avantasia, lançado em 2001.
O público dispersou e boa parte atravessou e travou a passarela para ver o Stratovarius enquanto outra ficou para ver os australianos do Parkway Drive. Ambas as bandas não são inéditas no Brasil e divulgam discos lançados em 2022, mas o desequilíbrio entre as atrações foi a mais sentida do festival. Enquanto no palco principal o PD dava show de pirotecnia com um Metalcore que vem conquistando público dos principais eventos e festivais ao redor do mundo, mostrando a cara do Metal mais recente; o outro dava um show de virtuose e técnica, mostrando um set recheado de sons de sua extensa discografia.
Aos fãs que tinham acesso ao palco premium, foi possível fugir da polêmica e ter ainda duas atrações no Waves: a brasileira Sinistra e a sueca Evergrey que encerrou definitivamente a programação do Summer Breeze Brasil. Como eu disse no início dessa matéria, o nome do André Matos e seu legado artístico esteve presente em várias momentos do evento, sendo diretamente mencionado ou não. No caso do Evergrey, a homenagem foi bem marcante porque o álbum deles de 2003, o Recreation Day, era um dos preferidos do vocalista brasileiro e a banda fez questão de dizer que renderia tributo ao maestro porque sabiam da admiração que André tinha por eles e pela música. O set deles foi curto, mas com várias músicas marcantes da carreira como “A touch of blessing” e “Save us”.
No saldo geral, os comentários foram mais positivos do que negativos nessa primeira edição do Summer Breeze no Brasil. A produção já anunciou durante o festival, no intervalo dos shows de domingo, que vai acontecer uma próxima edição em 2024. Esperamos que a atração passe a ser anual como acontece fora do Brasil e agradecer pela oportunidade de presenciar um evento tão bem organizado já na edição de estreia. Parafraseando o clássico de Seals & Crofts que dá nome ao festival, Summer Breeze made us feel fine. So, comeback in 2024!