Glenn Hughes @ Tropical Butantã, São Paulo – 21.04.2018
O legendário baixista lotou o Tropical Butantã em São Paulo
Texto: Henrique de Paula
Fotos: Renato Jacob
Casa cheia no Tropical Butantã, em dia de feriado nacional de 21 de abril, com o the voice of rock em São Paulo. Em mais uma turnê pelo Brasil, passando pelas cidades de Brasília, Belo Horizonte, Limeira, Curitiba, Manaus, Porto Alegre e Rio de Janeiro, além da capital paulista, Glenn Hughes revisita seu glorioso passado com a banda inglesa Deep Purple. O vocalista e baixista, que já atuou em outras bandas como Trapeze, Black Sabbath e Black Country Communion, além de inúmeros projetos com outros artistas, e uma extensa carreira solo, desta vez presenteou os fãs do Deep Purple, saudosos de uma das melhores fases da carreira da banda que nunca teve uma reunião. Fãs que nunca puderam testemunhar ao vivo músicas como “Hold On”, “Might Just Take Your Life”, “Sail Away”, ou mesmo as mais famosas “Burn” e “Stormbringer”, com a formação clássica do Deep Purple, uma vez que Ian Gillan, infelizmente, não as canta, estavam ansiosos pelo show. E Glenn Hughes não decepcionou, muito simpático e agradecido no palco pela presença e participação do público paulistano. A casa tropical Butantã, que fica no bairro do Butantã em São Paulo, é um local de médio porte, com mezanino e um palco relativamente grande (apesar de um pouco baixo), perfeita para as proporções do evento. Camisetas e copos comemorativos da turnê foram vendidos na seção de merchandising, assim como a autobiografia da grande estrela da noite.
Muito bem acompanhado de Soren Andersen, na guitarra, Fer Escobedo, na bateria, e Jay Boe Hansen, no teclado, Glenn Hughes iniciou o show perto das 19h45 com a estrondosa “Stormbringer”, que abre o álbum de mesmo nome do Deep Purple de 1974. Como aconteceu com todas as outras canções na noite, cujos arranjos são ligeiramente diferentes das versões originais, adaptadas ao estilo vocal de Hughes – já que em estúdio ele era acompanhado por David Coverdale, fazendo apenas a segunda voz na maioria delas – o público acompanhou o grande vocalista, com muito entusiasmo. Esta música já era regularmente tocada nas performances de Hughes em suas turnês anteriores, diferentemente de “Might Just Take Your Life” (do álbum “Burn”, também de 1974), que fez muitos fãs comemorarem, certamente conscientes do momento único que viviam. Amparado pelos vocais de apoio de Andersen e Hansen, Hughes canta maravilhosamente sob um jogo de luzes brancas e roxas, em referência à banda homenageada. Já nesta canção percebemos que o vocalista é um dos artistas dos anos setenta que melhor conservou sua voz ao longo dos anos, sendo capaz ainda de uma performance perfeita em afinação e repleta de agudos de longo alcance. Inclusive, são justamente os agudos o toque característico de Hughes às canções, na verdade, sua especialidade. Muito aplaudido, Hughes retribui com uma declaração de amor ao público, algo que se repetiria várias vezes naquela noite.
“Sail Away”, também de “Burn”, vem após breve introdução do guitarrista, e com seu ritmo cadenciado, tem seu refrão cantado por todos, algo surpreendente considerando que está longe de ser um dos clássicos mais lembrados do Deep Purple. O grupo é muito coeso em cima do palco, e Hughes lembra a todos que, além de excepcional vocalista, é também um grande baixista. Na sequência, sim, um grande clássico, que diversos ex-membros do Deep Purple sempre incluíram em suas performances com outras bandas, como Ritchie Blackmore com o Rainbow, e Coverdale com o Whitesnake: “Mistreated” põe todos a bater palmas, puxados pelos gestos de convite do baterista, e por um comunicativo Hughes, que não deixa de perguntar em alto e bom agudo: “how do you feeeeeeeel?”. A versão executada é significativamente mais longa do que a de estúdio, com interlúdios para solos improvisados do guitarrista, e Hughes solfejando o riff com o público. O final é bem pesado com um solo de guitarra alucinante de Andersen que, como o chefe da banda diz, já o acompanha há dez anos em turnês pelo mundo. O momento é de pura emoção com várias rodas de amigos se abraçando. Ocioso dizer o quanto a banda foi aplaudida.
“You Fool No One”, do mesmo disco, vem precedida de uma série de breves agudos de Hughes provocando a galera, e de um momento cômico da parte do vocalista ao confidenciar que não fala “brasileiro” (“I can’t speak Brazilian” foram as palavras do inglês). Nada que não possamos facilmente relevar, especialmente depois que ele diz que nós não havíamos ido até lá para vê-lo, mas ele a nós. A canção é talvez a mais longa da noite, repleta de improvisações de todos os músicos, com direito a uma breve emulação de Jon Lord por parte do tecladista, que ensaia o início da música “Lazy”, e que em certo momento toca seu instrumento com o joelho, além de um demorado solo do baterista. A versão aqui executada lembra a do álbum ao vivo do Deep Purple denominado “Made In Europe”, com Glenn agitando muito em cima do palco. Ao final da canção a banda toda é apresentada por Hughes, que destaca seu baterista de apenas 25 anos, elogiando-o e advertindo que qualquer um, com trabalho e dedicação, realiza seus sonhos, referindo-se ao jovem músico. “There is no one like you” (“não há ninguém como vocês”), diz Hughes a todos os presentes, depois de nos chamar de “craziest mother fuckers of the world” (se eu traduzir, perde a graça…). Depois de avisar que havia escrito a próxima música com Jon Lord aos vinte e três anos de idade, Hughes comanda a banda em “This Time Around”, uma das poucas executadas do álbum “Come Taste The Band” de 1975, da formação mais breve da banda, que contava com o precoce guitarrista Tommy Bolin no lugar de Blackmore. Sob luzes vermelhas, Hughes é novamente auxiliado pela plateia que canta junto a letra, ao som do teclado de Jay Boe Hansen soando como um piano. E como se este momento já não tivesse sido suficientemente emocionante, Hughes anuncia: “It’s time to get emotional” (“é hora de ficarmos sentimentais”). E uma das mais belas baladas do Deep Purple é tocada – “Holy Man” do disco “Stormbringer”, com marcante interpretação do vocalista. Hughes carinhosamente responde à declaração de um fã da plateia apontando a ele e dizendo “I love you too, my friend”. Rapidamente, porém, enxugamos as lágrimas porque na sequência é hora de dançar com o funk/soul agitado de “Gettin’ Tigher”, a segunda de “Come Taste The Band”, que Hughes informa ter composto ao lado do saudoso Bolin, com quem viveu nos anos setenta em seu apartamento em Beverly Hills. Há bastante improvisação, e o destaque fica por conta dos solos do guitarrista, muito aplaudido.
A banda se ausenta rapidamente do palco, voltando com “Smoke On The Water”, talvez a única dispensável do set, como se podia ouvir de muitos fãs. Apesar disso, a canção foi cantada por todos e acompanhada por muitas palmas. Esta é, sem dúvida, a versão da música com mais agudos já executada, pois Hughes parece não querer economizar neste recurso. Com uma breve intromissão de “Georgia On My Mind” (canção que foi imortalizada na voz de Ray Charles) no finzinho de sua execução, a música foi seguida pela maravilhosa “You Keep On Moving”, maior sucesso do disco “Come Taste The Band”. Acompanhado, do início ao fim, por todos os fãs presentes, Hughes a canta em um ritmo ligeiramente diferente do executado em estúdio, e no refrão deixa apenas o público cantar. No final, o cantor solta um extenso e potente agudo, utilizando o fôlego extra reservado para o desfecho do show. O nome do cantor é gritado pelo público que o assiste se despedir, incrédulo, já que todos sabem que se trata de um final “fake”. “Eu voltarei no ano que vem”, anuncia Glenn, que, na verdade, retorna já pouco depois para o final com “Highway Star” e “Burn”. Na primeira, Hughes entrega o baixo para seu roadie que faz sua participação com o instrumento, enquanto o chefe agora apenas canta. É mais uma chuva de agudos que não deixa ninguém se esquecer ou ignorar que o cantor original da canção, Ian Gillan, já não pode, infelizmente, fazer o mesmo. A galera agita muito nos momentos dos solos de teclado e de guitarra, como uma espécie de preparação ao grand finale, cantado em uníssono – “Burn”, despedida perfeita para uma plateia mais do que satisfeita com o que testemunha.
E é notório que neste público misto de jovens e senhores há muitos que não compareceram nas últimas ocasiões do inglês em terra nacional, mas que não perderiam por nada esta grande homenagem ao Deep Purple. Homenagem – vale ressaltar – deveras digna e merecida a esta banda que se aproxima da aposentadoria. Homenagem – sublinhemos, ainda – feita por um de seus mais notáveis ex-integrantes, certamente o que se conservou mais ativo e ocupado nas duas últimas décadas com muito material inédito de qualidade – o suficiente para refutar aqueles que ousaram dizer que o show se tratava de mais um evento caça-níquel. Glenn Hughes mostrou que se apropria muito bem desta belíssima parte de sua história, com honestidade e personalidade, e que é o ex-Deep Purple mais em forma no planeta hoje. Longa vida a Glenn Hughes, justamente chamado de “a voz do rock”.
SETLIST
1-Stormbringer
2-Might Just Take Your Life
3-Sail Away
4-Mistreated
5-You Fool No One
6-This Time Around
7-Holy Man
8-Gettin’ Tigher
9-Smoke On The Water
10-You Keep On Moving
11-Highway Star
12-Burn