Por Bruno Buys
Primeiro o socão nos ouvidos. Porra! disco novo da Dorsal! Depois, reflexão. O pobre brasil (com ‘b’ minúsculo mesmo) atual retratado nas imagens de capa, contracapa e encartes. Opressão, servilismo e tirania denunciados através da música pesada. 500 anos de história e não mudamos coisa alguma, continuamos tão escravocratas quanto nos tempos dos engenhos.
Carlos Lopes da Silva Antonio, Carlos Vândalo, Carlão, ou somente Carlos Lopes, como ele prefere, nos brinda a nós fãs da Dorsal com uma obra de puro artesanato musical, que só pode ser entendida e apreciada em sua totalidade: música, mensagem e visual. Nada aqui é por acaso, e nada é menos importante.
O CD, financiado coletivamente com projeto no Catarse, veio com capa em formato ampliado (20cm x 20cm) para conter melhor as artes gráficas assinadas pelo próprio Carlos Lopes e pelo artista gráfico Márcio da Paixão Júnior, autor da xilogravura que cobre as faces internas da capa.
Dentro, o fã encontra o CD propriamente dito, um encarte com as letras e um poster com ilustração também do Carlão e os créditos da música e das artes. Imagens da brutal opressão e exploração dos mais fracos que o disco retrata sob a metáfora de Canudos, a cidade fundada na Bahia dos fins do século XIX por Antonio Maciel ou Antonio Conselheiro, líder religioso e social que via na recém proclamada república mais uma artimanha política do andar de cima, que pouco ou nada traria de solução aos problemas do povo.
Canudos foi esmagada pelo exército e relegada aos livros de história. Se hoje ainda é vista como emblema da luta contra a opressão, em grande parte foi pelo trabalho do jornalista Euclides da Cunha, autor de ‘Os Sertões’, onde descreve o massacre que o governo da época promoveu contra a pequena cidade.
Mas o disco não é estático. A Canudos de Carlos Lopes é uma metáfora para se pensar o presente do brasil pós-golpe parlamentar de 2016. Relegados a um desgoverno dos poderosos, deslizamos de volta a um passado de fome e concentração de renda, violência e desemprego. Carlão e a Dorsal denunciam o presente golpe de estado brasileiro com a música pesada, e assim Canudos renasce. “Antonia Conselheira” da faixa “Não temos nada a Temer” e em “A Conselheira” seria uma Dilma Conselheira renascida. A imagem do poster, um Antonio Conselheiro com asas de anjo desenhado pelo próprio Carlão, seria ele Antonio Vicente Mendes Maciel, ou ele Carlão, renascido após – como ele mesmo diz – a Dorsal haver falido dentro do modelo tradicional de negócio musical onde gravadoras e empresários dão calote nas bandas?
Canudos é rico em camadas de metáforas. A Dorsal renasceu pelas mãos dos fãs, no crowdfunding e isso é mais um pioneirismo do Carlão. Canudos é uma obra de artesanato musical e gráfico, que provavelmente só foi possível longe das pressões do chamado ‘mercado’. Socialismo, a banda produz para os fãs e pelos fãs diretamente, sem intermediários. Os ‘Canudenses’, como o Carlão chama a nós fãs apoiadores do projeto, somos os resistentes à opressão e ao servilismo. Mas à qual opressão nos referimos? Do governo golpista ou do mercado da música? Ou de ambas? Quem é o anjo renascido retratado no poster?
Musicalmente falando, Canudos é inovador, creio, até para os fãs de longa data. Da Dorsal se pode esperar tudo menos lugar comum. O Thrash Metal da Dorsal está presente, o punk/hardcore está presente. Tem um manguebeat ou um baião rolando ali em ‘Liberdade’, e acho que até um rock brasil em ‘Favela’.
Pontos altos no play, eu citaria a rapídíssima “Belo Monte” e a também muito rápida “Não temos nada a Temer”, e “Liberdade”, que me lembra muito o excelente filme “Baile Perfumado” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Baile_Perfumado). Mas Canudos é uma ópera, um disco conceitual, que gira em torno de um tema. É preciso ouvi-lo inteiro para entender o impacto do poder da Dorsal.
Se o disco tem faixas rápidas e poderosas, também não dá para dizer que são puramente metal. Aliás, pureza não é o forte, mas sim a mistura. E Canudos não é um disco fácil, em termos de opções estéticas. As faixas são variadas e ricas em ambientes e sonoridades. Carlos e sua ‘matadeira’, guitarra por ele desenhada para o disco, criam passagens, bases e solos que desafiam o ouvido acostumado ao formato canção (estrofe, refrão, estrofe, melodia pegajosa, etc). Claudio Lopes, baixista e Americo Mortagua batera, dão a competente sustentação necessária para todo o volume de peso e agressividade que a banda transmite. Mas é no vocal que Carlão me parece mais criativo e inovador. Seu timbre grave e assustador tangencia o vocal gutural mas sem cair inteiramente nele.
O resultado final é uma obra que passa toda a densidade dramática do massacre de Canudos, uma ópera metal em peso e melodias angustiadas, velocidade e lirismo. Um teatro da destruição, um retrato atual da metáfora que vivemos num país de terceiro mundo que ainda não encontrou caminhos para superar seus dilemas mais básicos.
“Me cale que eu mesmo falo, me
ameace que eu gargalho, me proíba que
eu corro e faço, tentem me matar que
eu renasço!”
Renasce a Dorsal, renasce o Metal, pelas mãos dos fãs. O Fanzine Mosh também está vivo pelas mãos dos fãs. Essa é a nossa força. Carlos Lopes da Silva Antonio Conselheiro, o artesão do metal, salve, salve!
https://www.catarse.me/dorsal_canudos
http://www.facebook.com/dorsalatlantica
Canudos (2017):
01 – Canudos (Intro)
02 – Belo Monte
03 – Não temos nada a Temer
04 – O minuto antes da batalha
05 – Carpideiras
06 – A conselheira
07 – Sonho acabado
08 – Cocorobó
09 – Araçá do peito azul de Lear
10 – Gravata vermelha
11 – Liberdade
12 – Favela
13 – Ordem e progresso