Por Emerson Mello
Born Again é certamente o álbum mais amado/odiado do Black Sabbath, com a sonoridade mais amada/odiada e sendo sem dúvidas a fase mais controversa da banda. As ‘polêmicas’ e as controvérsias já começam com a chegada de Ian Gillan na banda. Muitos fãs não o aceitaram na banda cantando clássicos como Paranoid e outras das músicas antigas, e pra jogar mais lenha na fogueira, nesta época a banda incluiu “Smoke on the Water” no repertório, o que gerou protestos de muitos fãs indignados com essa situação. Por outro lado, outros dizem que Born Again é o álbum mais pesado e sombrio do Black Sabbath, e que a voz de Gillan encaixou perfeitamente no som da banda. Obviamente cada um tem seu ponto de vista, mas a pena buscar os bootlegs da época e conferir e tirar suas próprias conclusões. Eu particularmente considero a versão de ‘Children of the Grave’ com Gillan a melhor de todas.
Após Dio e Vinnie Appice saírem da banda, ficaram apenas Tony Iommi e Geezer Butler, então a dupla estava a caça de músicos pra preencher estas duas posições. Os primeiros nomes que vieram à cabeça de Iommi foram David Coverdale e Cozy Powell, porém ambos recusaram de cara, pois tinha acabado de assinar um contrato com a Geffen Records pra lançar material do Whitesnake. No meio de um monte de material que receberam estava o nome de Michael Bolton, sim ele mesmo! Iommi convidou ele pra um teste onde ele cantou Heaven and Hell, Neon Knights e War Pigs. Iommi até achou ele um bom cantor, mas “não era exatamente isso que a gente estava procurando”, disse à época. Ufa… O empresário Don Arden tinha voltado a trabalhar com o Black Sabbath e foi ele quem sugeriu o nome de Ian Gillan. Iommi não o conhecia na época, e o convidou pra conversar num pub chamado The Bear, em Oxfordshire. O fato é que a bebedeira rolou solta por horas e Gillan realmente não se lembrava de ter concordado em entrar pra banda, chegando a levar uma dura do seu empresário Phil Banfield: “na próxima vez que resolver entrar numa banda vai me informar antes?”. As loucas histórias dos bastidores do Rock’n’Roll… Depois de definir o vocalista, era hora de chamar o velho Bill Ward de volta. Nesta época ele estava morando em Los Angeles e vivia uma fase mais clean, pois tinha parado de beber encorajando Iommi a recrutá-lo.
Em termos de produção e sonoridade Iommi não gostou do resultado, e justamente pelo mesmo motivo que muitos fãs adoram o disco: a sonoridade grave, que acabou gerando uma atmosfera sombria e obscura. Um erro na mixagem onde os tweeters queimados passaram despercebidos e eles só foram perceber isso quando o álbum já estava prensado. E segundo parece, as másters originais foram perdidas, impossibilidade uma nova mixagem. Talvez seja melhor assim, afinal um álbum é como uma foto, que registra e eterniza determinado momento. Os efeitos em Disturbing the Priest foram criadas por Bill Ward batendo em uma bigorna mergulhada em uma banheira enquanto afundava lentamente. Tiveram um trabalho enorme pra conseguir este resultado, pois precisavam de duas pessoas pra segurá-la pra conseguir o efeito. Em termos de letras Born Again também soou bem diferente dos anteriores, pois o estilo de escrever de Gillan era bem diferente de Ozzy e de Dio. Apesar das diferenças e das polêmicas (ou até por conta elas!) o álbum ficou em quarto lugar nas paradas inglesas no primeiro mês de lançamento, o que foi um resultado surepeendente.
O álbum abre com Trashed que tem uma levada que lembra Neon Knights, baixo de Geezer Butler vem roncando e os teclados de Geoff Nichols estão ao fundo discretos, dando suporte pra guitarra de Tony Iommi que fez um excelente solo. A letra fala do acidente de carro que Gillan teve após uma noite de bebedeira na pré-proudção do álbum– “I drank a bottle of tequila and I feel real good”. Segundo Iommi ele simplesmente chegou, jogou as chaves na mesa e falou que iria dormir. A música funcionou muito bem pra abrir o álbum e ganhou um vídeo oficial. Stonehenge é uma vinheta sombria e obscura que prepara o terreno pra entrada de Disturbing the Priest. Esta com certeza é uma das coisas mais pesadas feitas pela banda onde o mestre Iommi chega com um riff pesadíssimo e Gillan já entra com um agudo rasgado e uma risada macabra dando todo o clima da música. As intervenções de teclado de Geoff NIchols dão ainda um tom mais sombrio, sendo ela sem dúvidas um dos pontos altos do álbum. A parede do estúdio era colada com a parede da igreja e devido ao volume alto da guitarra, a comunidade da igreja fez um abaixo-assinado contra o barulho e que foi entregue pelo padre da comunidade, daí o nome da música. Gillan aproveitou o episódio e escreveu a letra, mostrando mais uma vez sua habilidade pra pegar eventos reais e transformá-los em música, assim como fez em ‘Smoke on the Water.
The Dark na sequência uma vinheta de ligação pra entrar Zero the Hero, uma das preferidas de Iommi, que inclusive declarou que achou que o riff the Paradise City foi copiado dela. Ouçam e tirem suas conclusões. Gillan tem uma excelente interpretação nesta música, colocando mais agressividade e mais drive com um refrão que fica grudado na cabeça. Iommi aproveitou pra improvisar e fez um solo mais longo em cima do riff principal. Digital Bitch é um som direto e sem firulas na linha de Lady Evil e poderia estar tranquilamente no álbum Heaven and Hell. A música título vem numa espécie de balada doom, com um tema melancólico do mestre Iommi, seguido pelo baixo de Geezer e uma bela interpretação de Gillan em versos dramáticos como “The distant shadows of forgotten champions/Those who live in me still” e no enigmático refrão. Hot Line é uma espécie de cruzamento entre Black Sabbath e Deep Purple, seria legal ter o Hammond imponente do mestre Lord nela, daria um resultado bem interessante. O riff de Keep It Warm foi feito na época do Mob Rules e Iommi resolveu usá-lo neste álbum. Por sua vez o refrão ficou com a cara do Gillan, e isto deu molho diferente, com todos colocando suas características no som criando uma sonoridade diferente.
Assim chegamos ao final deste álbum completando, 40 anos e com muitos ainda venerando esta junção improvável de Gillan+Black Sabbath que deixou fãs muitos apaixonados que colocam este álbum entre os melhores da banda, alguns até considerando o melhor. A mística do Born Again continua e os fãs ainda a mantém viva. Como curiosidade a banda lançou uma versão Deluxe com algumas músicas deste álbum ao vivo, uma versão estendida de Stonehenge e uma música não lançada chamada The Fallen, que é bem interessante e poderia até mesmo ter entrado na versão final do disco. Vale a pena conferir.
Line-up
Ian Gillan – Vocais
Tony Iommi – Guitarra
Geezer Butler – Baixo
Bill Ward – Bateria
Geoff Nichols – teclados
Músicas:
01 – Trashed 4:17
02 – Stonehenge 1:58
03 – Disturbing the Priest 5:49
04 – The Dark 0:45
05 – Zero the Hero 7:35
06 – Digital Bitch 3:33
07 – Born Again 6:34
08 – Hot Line 4:53