Por Emerson Mello
Algumas bandas levam algum tempo pra encontrar a sua sonoridade ou as peças ideiais pra viabilizar este caminho. Muitas vezes o início é um momento de experimentações tentando encontrar este caminho, e as vezes determinadas peças não se encaixam nesta busca. Falando na Santíssima Trindade do Rock, das três bandas o Deep Purple foi a que levou mais tempo pra se descobrir. O Led Zeppelin estreou com o ultra poderoso Led Zeppelin I já dizendo a que veio e o Black Sabbath com seu álbum auto intitulado também não ficou atrás já emplacando clássicos como a própria música título, NIB, The Wizards e outras. O Purple teve uma estreia digamos mais irregular do que seus contemporâneos com um resultado bem morno, num repertório dividido entre composições próprias e regravações, incluindo uma dos Beatles com Help (uma versão excelente por sinal) e Hey Joe do Hendrix. Curiosamente a que mais fez sucesso foi Hush, composição de Joe South, música que a banda toca até os dias de hoje nos shows.
Nos três primeiros álbuns, além da influência do Rock sessentista a banda tinha uma forte veia de Rock Psicodélico, certamente por influência de Rod Evans, ao passo que Blackmore queria seguir para um caminho mais pesado. Obviamente o virtuosismo de Blackmore, Jon Lorde Ian Paice já aparecia em alguns momentos, mas Blackmore sentia que ainda faltava algo. Com a demissão de Rod Evans e Nick Simper, chegam Ian Gillan e Roger Glover, ambos vindo do Episode Six, eram as peças que Blackmore precisava para seguir rumo ao som pesado. Mesmo assim ainda não seria agora. Em 1969 a banda se uniu com a Royal Philharmonica Orchestra para gravar o álbum Concerto For Group And Orchestra. O projeto de unir música erudita e Rock era um velho sonho de Jon Lord e apesar de não tão bem compreendido na época, o projeto foi pioneiro, teve um ótimo resultado e de certa forma serviu para um aquecimento da banda junto aos recém-chegados Gillan e Glover. Depois de finalmente ter realizado o sonho de Jon Lord, a hora agora era de mostrar a artilharia pesada da banda.
O material do In Rock começou a ser escrito ainda em 1969 no Hanwell Community Centre em Londres, onde também rolaram os ensaios e segundo Glover o local foi escolhido por ser o único lugar onde a banda poderia fazer barulho a vontade, o que acabou virando a trademark da banda, que ficou famosa por ter entrado no Guiness na época como ‘a banda mais alta do mundo’. Lá saíram as ideias base para Child in Time e Speed King, na época chamada de Kneel and Pray, que acabou sendo a música de abertura onde a banda já entra com o pé na porta com todos segurando uma nota enquanto Blackmore sola enlouquecidamente. Um começo como se fosse um final apoteótico! Logo após a tormenta entra a calmaria com o órgão de Jon Lord soando como um órgão de igreja na missa domingo de manhã. A banda entra e Gillan canta os primeiros versos “Good Golly, said little Miss Molly/When she was rockin’ in the house of blue light/Tutti Frutti was oh so rooty/When she was rockin’ to the east and West”. Ele pegou trechos de letras do Little Richards adaptando algumas partes enquanto ele clama no refrão: “I’m a speed king you got to hear me sing/I’m a speed king see me fly”. Nada seria igual depois deste manifesto! O riff principal foi ideia de Roger Glover que se inspirou em Fire de Jimi Hendrix. No solo Blackmore e Jon Lord vão se se alternando, fazendo um jogo de pergunta e resposta enquanto a música vai crescendo até culminar num dueto veloz entre os dois – coisa que dali em diante se tronou marca registrada da banda. Após o final da primeira àquela altura os fãs já sabiam que tinha algo bem diferente rolando. O som era rápido, agressivo e pesado, mas também dando espaço ao virtuosismo, muito diferente do que a banda vinha fazendo nos álbuns anteriores. E a segunda música Bloodsucker não refresca, sendo também uma das mais pesadas da banda. Reza lenda que ela foi feita em ‘homenagem’ a um antigo empresário da banda. O som do Hammond vem raivoso com drive, soando como uma guitarra, para poder ‘competir’ à altura com Blackmore. O solo vem no mesmo esquema alternando entre guitarra e órgão. Mais uma de deixar os fãs sem folego. Em Child in Time ouvimos as primeiras notas do órgão de Jon Lord num som suave e envolvente, inspirada na música Bombay Calling da banda It’s a Beatiful Day. Gillan entra cantando suavemente, quase num sussurro a letra inspirada na Guerra do Vietnam: “Sweet child in time/You’ll see the line/The line that’s drawn between”. A música vai seguindo e a dramaticidade vai aumentando, e o que até então era uma balada começa a crescer com Gillan subindo cada vez mais as notas num agudo quase impossível – um prelúdio para o solo antológico de Blackmore. O solo atinge o ápice e retorna a suavidade do início e termina como uma espécie de paranoia com todos tocando notas de forma aleatória enquanto Gillan grita como se fosse alguém pedindo ajuda no meio do caos. Sim, estamos diante de uma obra-prima da banda. E assim fechamos o lado A.
Virando o disco começamos com a Flight of the Rat com a guitarra de Blackmore dando o tom no riff inicial. Jon Lord tem espaço pra um solo de Hammond maravilhoso e Ian Paice brilha no solo de bateria. Into the Fire vem num ritmo cadenciado, mas não menos pesado. Living Wreck começa com um excelente groove de bateria de Paice pra depois entrar um riff dobrado pela guitarra e pelo Hammond enquanto Gillan mostra seus dotes vocais usando e abusando dos agudos – super afinados diga-se. Hard Lovin’ Man fecha o álbum muito bem com um riff ganchudo de Blackmore seguido do baixo. Mais uma vez Gillan não economiza na voz e Jon Lord tem um dos seus melhors solos do álbum, chegando a simular um som de sirene de ambulância no Hammond. Curiosamente Black Night foi composta após o disco estar pronto, pois a banda sentiu que faltava um single. Blackmore tocou o riff de Summertime na versão de Ricky Nelson, e a banda improvisou o restante da estrutura. Gillan disse que fez a letra mais banal que se possa imaginar. E não é que a música é sucesso até hoje? Mas ficou de fora do álbum.
A capa foi inspirada no Monte Rushmore, famoso monumento americano que fica em Keystone na Dakota do Sul. A escultura feita por Gotzon Borglum mostra os ex-presidentes George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln, e na capa Gillan fica no lugar de George Washington, Ritchie Blackmore no lugar de Thomas Jefferson, Jon Lord no lugar de Theodore Roosevelt, Roger Glover no lugar de Abraham Lincoln. Talvez fosse uma forma bem-humorada de dizer que a banda queria conquistar os Estados Unidos, sonho de 11 entre 10 músicos britânicos naquela época.
In Rock é um álbum [único na carreira da banda, trazendo toda a crueza do Hard Rock com a banda ficando os dois pés no Rock pesado, como queria Blackmore. Isto fez com que pela primeira vez a banda já atingisse as paradas britânicas, num honroso quarto lugar, isto sem falar de ficar em primeiro na Alemanha e Austrália e quinto na Noruega. Por isto a importância deste In Rock, que foi um disco decisivo e divisor de águas na carreira da banda e dali em diante ela só cresceu até o lugar mais alto do Olimpo com o Made in Japan.
*Ficha técnica
Banda – Deep Purple
Álbum – In Rock
Lançamento – 05/06/1970
*Line-up
Ian Gillan – vocais
Ritchie Blackmore – guitarra
Jon Lord – Hammond/teclados
Roger Glover – baixo
Ian Paice – Bateria
*Musicas
Lado A
01 – Speed King 5:54
02 – Bloodsucker 4:16
03 – Child in Time 10:20
Lado B
04 – Flight of the Rat 7:57
05 – Into the Fire 3:30
06 – Living Wreck 4:34
07 – Hard Lovin’ Man 7:11