Aproveitando esta longa quarentena batemos um papo com China Lee, uma das mais importantes figuras da cena metálica nacional, com praticamente 40 anos dedicados ao nosso Metal Nacional
por Emerson Mello
Esta foi sua primeira entrevista depois de anunciar sua saída do Salário Mínimo, banda que ele ajudou a fundar e sempre esteve à frente durante anos. Ele conta isso e muito mais neste bate papo bem descontraído.
Confiram!
China, são quase 40 anos de carreira se dedicando ao Metal, sendo que em grande parte desta carreira, você esteve a frente da banda Salário Mínimo, uma das mais tradicionais do Metal Nacional e sempre teve sua imagem fortemente ligada a ela e vice-versa. Todos nós: fãs, músicos e amigos, fomos surpreendidos com a sua decisão de deixar a banda neste último mês de Março. Pode nos contar um pouco sobre o que te levou a esta decisão?
China Lee – Eu acho que em tudo na vida da gente existe um ciclo, e o meu ciclo com o Salário se fechou. Eu dei o meu melhor, me doei , dediquei minha vida e chegou um momento que pra mim não estava mais fazendo bem, e aí este ciclo se fechou. Esta é a melhor maneira de se falar.
-Acredita que exista possibilidade de uma reunião no futuro, ou ainda é cedo pra dizer?
China Lee – Difícil falar neste momento, não vejo esta possibilidade de retornar. Eu tenho outros projetos pra minha vida e neste momento o ciclo se fechou pra este trabalho. Mas como a gente nunca deve dizer que desta água não beberei. E eu tenho uma ligação muito forte com o Salário, como você mesmo falou. Mas neste momento não passa pela minha cabeça mesmo, por este motivo eu sai.
-Antes da quarentena você já vinha preparando um material, em formato acústico, e já tinha algumas datas em vista. Como surgiu a idéia de trabalhar neste formato e qual o objetivo com este projeto?
China Lee – Eu não sai do Salário porque eu tinha outros projetos, porque já era aberto inclusive que eu provavelmente voltaria com o Extravaganza. E o projeto acústico com o Micka (nota:guitarrista do Santuário e que participou da banda Extravaganza) que todo mundo sabia, inclusive o pessoal do Salário. É uma coisa que faz tempo que eu quero fazer, mais ou menos uns 10 anos, nós viemos nos reaproximando, ele tem uma vida muito corrida porque ele é produtor, mas ai fizemos alguns testes e foi sensacional. A gente estava preparando este material, era pra ter saído agora no início de Janeiro, mas ele está finalizando o novo trabalho do Santuário, e depois a gente vai se dedicar ao acústico. Ai infelizmente com a questão da pandemia a gente ficou afastado, mas continuamos conversando, temos todo um planejamento e a gente quer mostrar uma outra cara com este trabalho. Vamos contar um pouco da nossa história, o repertório irá abranger a carreira dos dois, e este material acho que vai ser uma coisa bem diferente na minha carreira, eu estou afim de novos desafios e acho que vai ficar muito bacana. Já mostramos para algumas pessoas e todos curtiram e tenho certeza que irá agradar a muita gente e principalmente vai me dar novos ares.
-Falando do Extravaganza, muitas pessoas sempre pedem o retorno deste projeto, que foi muito bem sucedido na época. Agora tendo mais disponibilidade de tempo, existe chance de voltar a se dedicar a ele?
China Lee – Sim. Inclusive os músicos que irão nos acompanhar no acústico, a gente gostaria que eles também estivessem no Extravaganza.
-A música “Um Corpo Só” (Extravagnaza) tem um arranjo muito bem trabalhado com ênfase no piano e nas partes orquestradas e o resultado ficou excelente. Como surgiu a idéia de fazer um arranjo seguindo esta linha?
China Lee – Esta música já era uma balada, e dentro do estúdio a gente achou que ela estava muito crua ainda, era tipo um lance só de violão e voz e nós pensamos nas cordas pra preencher melhor o arranjo. Estúdio é legal por causa disso, muitas vezes você vai com uma idéia e lá você começar a desenvolvê-la melhor. E com o Extravaganza a gente teve um bom tempo de estúdio, porque a gente tinha uma boa estrutura por trás que nos permitiu gravar com tempo e calma e as idéias vieram fluindo, como foi no caso desta música.
-Entre o Salário Mínimo e o Extravaganza teve um outro projeto chamado Naja, aonde chegaram a registrar um vídeo da música “Uma Só Voz”, registrado no ano de 1991. O que pode nos contar sobre esta época.
China Lee – Entre 1989 e 1991 eu estava querendo trazer o Micka pro Salário pra dar uma renovada na banda. Na época o Santuário tinha acabado e ele tinha montado um projeto chamado Naja, que tinha uma proposta mais Pop e ele me chamou pra cantar. O Naja estava estourado no litoral santista, uma época muito boa no Rock e o Micka tinha relacionamento muito forte em Santos, então rolava o som em várias rádios, tinha contato com TV e bombou. Acabou que eu fiquei cantando nas duas bandas, Naja e Salário. Vendo o potencial dos músicos que estavam no Naja eu propus à banda vir pra São Paulo. Aí reformulamos tudo, o nome da banda, a proposta musical, contratamos empresário, arrumamos gravadora e o trabalho do Naja que estava pra ser lançado acabou ficando de lado. Por enquanto não existe a pretensão de lançar este material. E no final o Naja acabou virando o Extravaganza que foi uma banda bem legal também, apesar de não ter durado muito. O mercado estava voltado para outras coisas, estava vindo o grunge e nossa proposta era bem mais Hard Rock, mas foi um momento bem legal.
-Em letras como ‘Homens de Pedigree’, ‘Fatos Reais’ do Salário Mínimo e ‘Mais Um’ do Extravaganza percebemos um forte tom de critica social e política. Você considera importante trazer estes temas? Como você enxerga nosso atual momento político e social no Brasil?
China Lee – A política não tem jeito porque é algo que você vive, porque ela interfere diretamente na sua vida. E os fãs e nós também passamos por este isso, então eu acho que as músicas com conteúdo político sempre estarão presentes nas nossas vidas, é até uma forma de você protestar. Eu sempre tive esta veia, até mesmo mais falando do que cantando. Hoje nem tanto porque eu estou mais comedido, mas eu sempre fui um cara polêmico e politizado em toda minha carreira, principalmente nos meus discursos. E no caso dessas músicas a gente canalizou meus discursos através das músicas e elas ficaram muito boas.
-A letra de 2000 Anos entra na temática da crença e da espiritualidade. Muitas vezes este é um assunto polêmico dentro do Rock. Falar disso soa natural pra você? Como vê esta questão?
China Lee – Eu sou um cara muito espiritualizado e esta música no início deu uma certa polêmica com alguns caras mais radicais. Depois as pessoas começaram a ouvi-la ao vivo e ela foi crescendo e nos shows mais recentes do Salário ela já era a segunda mais pedida do repertório, as pessoas gostam muito dela. Então para os radicais eu respondi: a música deles é ‘Anjos da Escuridão’ que também é uma música com temática espiritual. Pra mim, que sou um cara muito ligado a espiritualidade, vejo isto de forma natural. Se você traduzir algumas letras do Helloween, do Iron Maiden, do Black Sabbath vai perceber que muitas vão pela mesma linha. O lance é que cantando em português muitas vezes você é criticado. Eu sempre tento colocar a letra de uma forma mais mística pra música ficar mais bonita.
-Neste período de quarentena forçada em que estamos recolhidos em nossas casas, estamos tendo tempo pra refletir sobre muita coisa. Acredita que iremos sair melhores disso tudo?
China Lee – Eu gostaria muito que as pessoas refletissem muito neste momento que a gente está passando. Inclusive quem é espiritualista sabe que é um momento de reflexão mesmo. Mas infelizmente não é o que a gente tem visto,com pessoas ai bagunçando,fazendo festa, estão nem ai, e infelizmente eu acho que pouco vai se mudar. O que estou vendo é que as pessoas mais conscientizadas são as que estão se dedicando a uma reflexão. Quem não está ai com porra nenhuma vai continuar desta forma, infelizmente.
-Vemos muitos pais que levam os filhos no seu show e você tem um carisma muito grande entre o público infantil. Você acha importante aproximar os mais jovens do Rock?
China Lee – Eu tenho uma ligação muito grande com crianças, é uma coisa inacreditável. E eu já tive uma infinidade de crianças que já subiram comigo no palco. Muitos pais me mandam vídeos de criança cantando ou algo do tipo, aí eu já combino com o pai pra levar a criança no show, e ela canta e todos gostam. Sobre a segunda parte da pergunta, eu acho totalmente importante, são eles que são o futuro, se a gente não fizer isso quem é que vai continuar?Esta ligação com crianças é uma vitória da minha carreira, ainda no último show do Salário subiu uma criança no palco, e o mesmo carinho que eu tenho com elas, elas tem comigo.
-Estando na estrada desde 1984, quando foi lançado o SP Metal, você já viu e ouviu muita coisa. O que tem te chamado atenção atualmente dentro do Metal no Brasil?
China Lee – Tem muita banda boa, acho que falta magia. Quando eu falo que falta magia acho que falta uma preocupação com alguns detalhes. Acho tem nem toda banda está preparada pra pegar um palco maior e às vezes forçam a barra pra estar num palco grande, porque às vezes ainda falta estrada e know-how pra isso. Estou falando isto em relação a palco, agora em termos de produção de cd,nem todas eu vi ao vivo mas tem muita banda que eu gosto. Eu tenho uma veia muito Hard, então curto muito o Gueppardo lá do Sul; Selvageria que já tem uma pegada mais Heavy Metal oitentista; Living Metal que é um banda recente do Pedro Zupo. Gosto muito da sua banda Emerson, a Dancing Flame, pra mim uma das grandes bandas da atualidade, sem querer fazer média nenhuma e você sabe disso. Gosto muito do Matilha, que é mais Hardão. Tem muita banda boa, mas acho que falta maturidade, falta estrada pra algumas. Tem que ralar, tocar, não importa se pra 5 ou 10 pessoas, tem que tocar todo final de semana. Eu acho que falta um pouco disso daí, e que a gente fazia muito isso.
-Você tinha uma relação de amizade muito forte com o André Matos, que foi um gigante do nosso Metal e que nos deixou no meio do ano passado. Quais as melhores lembranças que você viveu junto a ele que poderia compartilhar conosco?
China Lee – Poxa cara, as passagens com Andre Matos são tantas. Tenho lembranças com ele desde garoto, quando ele ia nos shows do Salário. Depois quando fui ver o Viper a primeira vez, e achei fantástico. Ele deveria ter 13 ou 14 anos nesta época. E depois na estrada, a gente se encontrava muito e se falava quando dava. Mas o que eu posso te falar é que em muitas e muitas horas de conversa, a gente se desligava totalmente da música e só queria dar risada. Parecia que eram dois caras que se dedicaram tanto à música, mas queriam se curtir, pois realmente a gente tinha uma amizade fora do comum. A gente não se largava. Quando fizemos o Roça’n’Roll há três anos atrás, a gente não se largou um minuto. São muitas as passagens com o André e todas estão no meu coração.
-Você considera que o Super Peso Brasil foi um dos pontos altos da sua carreio? O que pode nos dizer sobre este evento?
China Lee – O Super Peso foi um grande momento na minha carreira. Eu tive vários grandes momentos, eu toquei no Ibirapuera pra 16 mil pessoas, no Estádio da Portuguesa pra 25 mil pessoas, no Palestra Itália pra 7 mil pessoas que era um evento que se chamava Metal 4. Teve também abertura pro Scorpions, Twisted Sister, Uriah Heep, The Rods em Brasília. Foram grandes momentos.
O diferencial do Super Peso é que se juntaram 05 bandas de grande expressão do Metal Nacional e que cantavam em português e com uma produção de nível internacional. Entrou pra história, inclusive foi registrado em DVD. Mas eu sou um cara que posso me considerar feliz, pois tive grandes momentos dentro do Heavy Metal brasileiro.
-Outro ponto de destaque na sua trajetória foi a sua participação no filme Brasil Heavy Metal, participando também da gravação da música tema. Pode nos descrever como foi participar disso?
China Lee – Pela ligação que eu tenho com o Micka eu participei em muitos detalhes do filme, inclusive na escolha do tema. O Bala (nota:vocalista do Stress) mandou a música pro Micka e o Micka me mandou e eu disse “ta aí a música tema do filme”. Aí o Micka teve a sacada de colocar diversos vocalistas. Um momento histórico! É a música de Heavy Metal em português mais ouvida na história e que atravessou o mundo, um registro do André Matos cantando em português e com todos os meus irmãos dos anos 80. Simplesmente um sonho realizado! Ficou lindo o vídeo, ficou lindo o filme, e quem fez parte do filme entrou pra história do Metal Nacional de vez. Este foi um momento inesquecível, e como eu estava envolvido com o Micka na produção, eu pude viver cada detalhe.
-Considerações finais
China Lee – Queria agradecer pela lembrança, pelo carinho que você sempre tem comigo, eu também tenho um carinho muito grande por você e pela sua banda. Agradecer também ao Andre Smirnoff que também está sempre junto, sempre apoiando. São pessoas como vocês que fazem a gente continuar vivo nessa nossa batalha.
Discografia
-Salário Mínimo
(1984) – SP Metal Volume I(Coletânea)
(1987) – Beijo Fatal
(2009) – Simplesmente Rock
-Extravaganza
(1993) – O Prazer é Seu
Redes Sociais
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