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19 Apr 2024, 3:03 am

Mosh Interview com Elaine Campos da banda Rastilho


Cariolista! Assim poderia ser classificada uma pessoa de origem carioca que vive em São Paulo há mais de 20 anos. E a nossa entrevistada tem este perfil. Elaine Campos toca em bandas, já escreveu para fanzines, é anarquista, é feminista, é socióloga, é fotógrafa e está imersa em nossa cultura underground há uns bons e muito produtivos anos. O papo com esta companheira de luta vai render! Siga-nos os bons (e os maus também)! 

por Fellipe CDC

Mosh) Após tanto tempo de admiração, eis que, enfim, surge a chance de poder entrevista-la. Eu agradeço ao Fanzine Mosh pela oportunidade e a você, amiga Elaine Campos, por ter aceitado bater esse papo. Para começar, o que uma carioca de São Gonçalo foi fazer / buscar lá na baixada santista?

E.C) Fellipe, a admiração e respeito é recíproca, agradeço imensamente pelo convite!

Bem, comecei a me envolver com música extrema no início dos anos 90, quando ainda morava em São Gonçalo (RJ), fazia zine, tocava numa banda gore/grind e comecei a ter uma rede de contatos, vários dos/as amigos/as estavam em São Paulo e Baixada Santista, alguns anos depois fui pra lá pra conhecer e depois acabei me mudando definitivamente. Foi lá também me aproximei mais da cena punk, conheci outras pessoas, me envolvi com coletivos anarquistas e anarcofeministas que estavam acontecendo neste período. Era uma época de descobertas, nos comunicávamos mais por carta, tudo demorava um pouco mais de tempo para saber, sobretudo o que acontecia em outras regiões do Brasil, mas foi um período muito rico e produtivo do ponto de vista de conteúdo, publicações, encontros, reuniões, grupos de estudos, tudo que chegava pra gente era novidade e aprendizado.

Mosh) Você já disse em muitas entrevistas que foi o seu irmão quem a apresentou ao rock pesado, sendo assim, três curiosidades: Quais os primeiros discos que ele te mostrou? Seu mano sanguíneo ainda curte som ou virou um desertor? Por último, o que ele acha das suas bandas (GORE, ABUSO SONORO e RASTILHO) que gravaram material?

E.C) Sim, meu irmão foi o responsável por abrir as portas para música extrema, e como irmã mais nova queria ficar mais próxima dele, mas a iniciativa e interesse foi toda minha, sempre que ele não estava em casa eu pegava os discos dele escondido pra escutar, até que um dia ele chegou em casa e eu estava ouvindo um disco, nem percebi que ele tinha chegado, e ele só me contou essa história anos depois. A verdade é que eu morria de medo dele brigar comigo. O primeiro disco que escutei foi o “Bestial Devastation”, do Sepultura. Depois disso a gente se aproximou mais e ele foi me mostrando outras bandas. Ele ainda curte som, toca guitarra e tem os projetos dele até hoje, me passou todos os discos de vinil dele (algumas raridades). Ele sempre apoiou tudo que fiz na cena underground, desde o GORE, o ABUSO SONORO, e não foi diferente com a RASTILHO, inclusive quando tocamos no Rio ele foi nos dois shows (na capital e em Niterói) e ainda levou alguns amigos. A gente troca muita ideia de música, sempre nos lembramos de coisas que vivemos juntos no auge da adolescência, e é massa ter uma pessoa na família como referência na música extrema.

Mosh) Sua primeira participação em banda foi com a carioca GORE. Você tocava baixo e gravou a demo “Open doors of morgue”, em 1993. Quais as suas lembranças mais vivas deste período? Ainda tem contato com algum dos integrantes da GORE?

E.C) Fui baixista da GORE de 1991 a 1993. Foi uma experiência bem importante que contribuiu muito com minha chegada ao punk. As lembranças mais vivas que tenho deste período é da amizade para além da banda, todos eles foram amigos verdadeiros e dedicados em tudo que fazíamos juntos. Eram tempos bem difíceis, adolescentes periféricos que procuravam se ajudar sempre, isso moldou meu caráter, minha maneira de ver muita coisa na cena underground e no mundo.

Sim, tenho contato até hoje com o Jurandir (baixista e vocal), Marcelo Mosh (ex-batera) e também com o Will Sacer (Guitarrista) que embora não tenha tocado no período que toquei nos tornamos amigos.  

Mosh) Apesar de estar em São Paulo há muito tempo, sua família mora no Rio de Janeiro e, certamente, você deve visitar muito o seu estado natal e preocupar-se com o que ele se tornou ao longo do tempo, fruto, grande parte e parte grande, de ações políticas egoístas e desastrosas. Certa vez, durante uma entrevista, o Fernandinho Beira Mar disse que “a pior facção criminosa é a facção dos políticos engravatados”. Algo nessa linha. Enquanto socióloga você concorda com a afirmação do Beira Mar? Olhando de fora, como você enxerga o Rio de Janeiro hoje traçando um parâmetro do tempo no qual você ainda era adolescente e moradora da cidade?

E.C) Errado ele não está!

Uma vez li uma entrevista do Caco Barcelos para um dossiê sobre Drogas e Violência para revista Le Monde Brasil em que ele comentava que a forma como o Estado lida historicamente com essa questão da violência dá margem para que a guerra às drogas nunca acabe, e para ele o Estado trata essa questão com preconceito, principalmente de classe e raça. As barbaridades, as execuções extrajudiciais que vemos com frequência contra os mais pobres nunca são vistas contra os mais ricos. Para quem nasceu e cresceu nas periferias do Brasil vai falar a mesma coisa: “aqui é salve-se quem puder”, não há política de segurança pública que proteja as pessoas na periferia.

Desde que sai de São Gonçalo muitas coisas mudaram, é claro, inclusive o crime também, mas as políticas de segurança pública vivem uma eterna convulsão. A vida nunca esteve no centro desse debate, ainda mais para um Estado que ostenta uma taxa de letalidade violenta acima da média nacional, e que está concentrada nos jovens negros, pobres e periféricos. A maior prioridade das políticas de segurança pública do Rio tem sido a defesa da propriedade, não da vida, o Rio vive um banho de sangue, um desaparecimento de vítimas – até hoje não sabemos onde está o Amarildo. Quando digo que muita coisa mudou, quero apontar para a sofisticação da violência, tanto do tráfico quanto da polícia, esse é o parâmetro que consigo fazer do tempo em que vivia lá e hoje. Acompanho diariamente o que acontece na minha cidade, e infelizmente a violência é o foco central, isso para mim é terrorismo de Estado. Não tem um dia que não receba uma notícia sobre mortes violentas baseadas em ações da polícia ou do tráfico de drogas. Enquanto respondia esta entrevista, meu sobrinho me mandava mensagem contando sobre a execução de um entregador de aplicativo e ele viu tudo, e aparentemente foi ação do tráfico ou de milícia. Para quem cresce e vive num lugar assim vai ter medo e traumas para o resto da vida e o medo não pode continuar mediando as nossas vidas. Mas isso continua acontecendo dia a dia.

Marielle Franco, vereadora, socióloga, mestre em Administração Pública e estudiosa do tema da violência e letalidade policial nas periferias, utilizou por diversas vezes a tribuna da Câmara Municipal do Rio para denunciar: “Quantos mais vão precisar morrer para essa guerra acabar?”, é importante contextualizar que na realidade do Rio a ideia de “guerra às drogas” se dá como justificativa da letalidade presente na política de Segurança Pública. A execução brutal de Marielle Franco foi uma execução política, foi uma tentativa de silenciar a voz de uma mulher negra e favelada que lutava por paz e justiça para as periferias do Rio. Hoje é símbolo da luta pelos direitos humanos e até mesmo de uma forma diferente de fazer política.

Mosh) Uma “metaleira” que conheceu, encantou-se, absorveu e mergulhou dentro da cultura punk. O que trouxe para você, enquanto cidadã, essa descoberta e esse convívio com o universo anarquista?

E.C) Estive envolvida na cena metal bem no comecinho dos anos 90, mas foi por poucos anos, e ainda bem adolescente, com pouquíssimo acesso a informação, nossa leitura era baseada em revistas de rock e alguns poucos zines de metal, não tinha nada político nessa época. Quando me mudei para Santos (SP) a cena Punk/HC local vivia uma ebulição, uma aproximação com os movimentos sociais e isso acabou me influenciando bastante nessas transformações, trazendo novas ideias, outras configurações na maneira de se pensar, fazer e se organizar, como disse anteriormente, e foi lá que me envolvi em coletivos anarquistas. Inicialmente tive muita influência de grupos ligados a cena anarcopunk e aos poucos fui conhecendo outras organizações e coletivos anarquistas de São Paulo, formando minha própria rede.

Mosh) A ABUSO SONORO, sem dúvida alguma, é uma parte muito importante da sua vida e uma banda que influenciou e influencia milhares de bandas ao redor do mundo. Como surgiu o convite para você entrar na ABUSO SONORO e como foram os primeiros anos a frente desse seu novo desafio?

E.C) O Abuso Sonoro nasceu em 1993, me mudei para Santos em 1994, conheci os caras, me tornei amiga e o convite foi fruto dessa amizade. Acompanhei a banda nos ensaios, nas primeiras gravações e numa dessas gravações o Arilson (guitarrista) me convidou pra cantar uma música (Buraco Podre) junto com o Beto (antigo vocalista), essa música entrou no disco “Revolte-se”, pouco depois eles me chamaram pra dividir os vocais com o Beto, isso em 1995. Foi um baita desafio, ainda mais que eu estava absorvendo muitas coisas rapidamente, entendendo outras questões no meio punk, o que era ser mulher e encontrar poucas de nós como referencial em outras bandas, enfim. Sem dúvidas o Abuso Sonoro foi um divisor de águas na minha vida, mudou a minha forma de ver e estar na cena underground. Um salto em vários aspectos seja sonoramente e/ou politicamente. A gente via a banda como uma ferramenta de propagação de ideias no meio em que estávamos. Pode soar bem descolado da realidade hoje em dia, mas naquele primeiro momento do início dos anos 90 a cena punk (que estava saindo de uma longa jornada pós-ditadura civil-militar) começou a se reformular criando outras formas de se comunicar para além dos 3 acordes, então para mim a cena punk do início dos anos 90 passa a se engajar muito mais com um pensamento político mais radical e de mobilização. E o Abuso Sonoro estava ali, formando parte de coletivos, fazendo zines, participando também como banda em movimentos sociais e populares, enfim, nesse sentindo posso afirmar que aprendi muita coisa, e sigo aprendendo.

Mosh) Faça, por favor, um breve resumo de toda a discografia que você gravou junto com a ABUSO SONORO e, se possível, escolha os seus favoritos entre esses materiais.

E.C) Bom, entrei na banda em 1995 e os primeiros lançamentos do Abuso Sonoro saíram de duas gravações realizadas entre 1994 e 1995 e como comentei, nesta época, gravei apenas uma música como convidada, então gravações comigo começam a rolar somente a partir de 1997, com os discos: “Já Basta​!​!​!” (7″EP, 1997), “Infância Armada” – Split w/ Amor, Protesto y Ódio (12″LP, 1998), “Nem Explorados Nem Exploradores – Split w/ Wojczeck” – Ao Vivo na Alemanha (12″LP, 1999), “S​/​T – Split w/ Autoritär” (7″EP, 2000), “Herencia” (12″LP, 2000), “Contraataque – Split w/ No Violence” (7″EP, 2001) e diversas coletâneas.

Meus favoritos são: “Já Basta​!​!​!” (7″EP, 1997) e o último disco “Herencia” (12″LP, 2000), gosto de todo material, desde a capa, encarte, letras, textos, a gravação em si que foi uma das melhores que fizemos. Era muito difícil gravar algo de qualidade sem grana nessa época, tanto que pra gravar o “Herencia” tivemos que ir juntando uma grana com um tempo, e viemos até São Paulo para gravar! Foi o material de maior qualidade que tivemos (gravação, mixagem e masterização).

Mosh) Fora os materiais lançados, a ABUSO fez muitas apresentações, algumas delas na Europa (em 98 na companhia da grande ROT) e em 99 pela Argentina e pelo Uruguai. Quais as suas melhores e piores recordações desses shows fora do Brasil?

E.C) Essas viagens foram experiências muito importantes e nos trouxe uma série de questionamentos.

Abuso Sonoro como muitas bandas nos anos 90 fazia tudo com recursos próprios, mas dificilmente conseguíamos juntar grana com venda de camisas ou discos, era dinheiro pessoal mesmo, inclusive foram muitas as vezes que pagamos nossas próprias passagens para ir tocar em outros lugares, sem nenhum tipo de apoio. Não foi diferente nestas viagens internacionais, tanto para a Europa quanto para a Argentina e Uruguai fizemos uma divida, começamos a pagar os custos dessas viagens meses antes e ficamos pagando meses depois de retornar. A diferença estava no contexto sócio-político dos lugares. Na Europa existe uma cena com espaços ocupados e centros de juventude que são movimentados com recursos dos próprios eventos. Boa parte destes lugares negocia um percentual de bilheteria com as bandas (que ajuda com o transporte, gasolina, pedágio na estrada, etc), oferecem comida e lugar para dormir, quando isso não acontece, sempre há uma rede de apoio na cena local. Pelo menos naquela época isso raramente falhou. As condições na maioria dos países da Europa são ótimos, sobretudo financeiramente, ao menos era naquela época. Não tenho recordações tão ruins assim, tirando o cansaço, ser impedidos de entrar em algum país por falta de visto (estivemos lá antes da União Europeia), pegar a estrada sem ter conseguido trocar grana de um país para outro, sem ter rango no carro, fez parte do processo, é a experiência de muita gente que faz tour na Europa, mas chega uma hora que a gente vai se acostumando e tira de letra.

Quando voltamos da Europa começamos a planejar um tour aqui pela América Latina para o seguinte (1999), a princípio seria Chile, Argentina e Uruguai, porém neste mesmo ano o Brasil entrou numa das maiores crises de desvalorização da moeda e os custos das passagens aéreas subiram absurdamente, tivemos que cortar a ida para o Chile, mesmo assim fomos para a Argentina e Uruguai de ônibus. Foi uma longa viagem, cansativa, mas isso só nos mostrava a pontinha do iceberg que iriamos encarar na América Latina da virada para os anos 2000. Encontramos uma Argentina empobrecida, já se afundando numa crise social e econômica, e consequentemente isso afetou absurdamente a cena punk/hc local. Não conseguimos fazer muitos shows ou mesmo ter mais recursos para viajar de uma cidade para outra, a perspectiva lá era mais de solidariedade do que nunca. Os shows que conseguimos foram basicamente em solidariedade a grupos anarquistas e para ajudar espaços culturais com cozinha comunitária nos bairros periféricos.

Não foi nada fácil fazer essa tour, nossa moeda não tava valendo nada por lá, era difícil para comer na rua, deslocamento só por transporte público, enfim, todas as questões que vivenciamos aqui no Brasil foi ao encontro do que acontecia com os países vizinhos, por outro lado não podemos negar que toda essa experiência foi enriquecedora e nos fez permanecer com os pés no chão. Essa é a parte mais importante das experiências que nos tiram da zona de conforto.

Mosh) Você fez alguns ensaios com a banda santista Bones Erosion e eu quero saber como foram essas horas e por quais motivos não continuou na formação. Aliás, como foi morar em Santos, terra deu ao mundo Vulcano (apesar da Vulcano não ter nascido na baixada praiana foi lá que alcançou os seus maiores vôos), Leucopenia, Psychic Possessor, Chemical Disaster, No Sense, O.V.E.C e entre tantas outras bandas?

E.C) Morar em Santos foi um grande aprendizado, embora tenha sido bem difícil encarar a distância com familiares e amigos/as, mas ao mesmo tempo me fez ser quem eu sou hoje, foi lá que me aproximei da cena punk, do movimento anarquista. Comecei a tocar no Bones Erosion na mesma época que entrei pro Abuso Sonoro, éramos todos amigos, bandas amigas que faziam parte da cena punk cubatense. As bandas praticamente ensaiavam na casa de um dos meninos, lá mesmo em Cubatão, inclusive, sempre bom lembrar que o Abuso Sonoro nasceu em Cubatão-SP, a maioria dos integrantes são de lá. Cheguei a fazer pelo menos um show com o Bones Erosion, mas a banda parou novamente um pouco depois. São dinâmicas da vida, todo mundo numa correria por sobrevivência, enfim, faz parte.

Mosh) Depois do fim da ABUSO SONORO e bem antes do início da RASTILHO, você participou de dois projetos musicais – um com as minas da Dominatrix e o outro era o One Days Kills -. Por quê ambos não deram certo e duraram apenas poucos ensaios e muitas conversas e risos?

E.C) Acredito que os projetos duraram o tempo que tinha que durar, com alguns poucos ensaios, muitas conversas e risadas. Era um encontro entre amigas.

Todas nós tínhamos mil e um projetos, participávamos ativamente de coletivos, outras bandas, trampávamos e uma banda exige tempo e dedicação. Esse foi o principal motivo pelo qual os projetos não foram pra frente, quem sabe um dia a ideia de ter uma banda só com mulheres realmente aconteça, seria massa demais.

Mosh) Diferentemente da GORE e da ABUSO SONORO, a RASTILHO, que floriu em 2015, você fez parte desde os primeiros dias. Esse fator faz com que sinta-se mais à vontade para opinar, dar ideias ou mesmo sentir-se mais pertencente à causa?

E.C) Rolou um hiato entre o fim do Abuso Sonoro e o começo da Rastilho, o que foi bem importante pra me dar outra perspectiva em relação a voltar a ter uma banda. Levei algum tempo até me sentir mais a vontade com essa ideia, mas o fato de todos serem amigos fez eu me sentir bem a vontade para tudo! Uma banda se constrói coletivamente, sem esse tipo de proposta não daria certo, então a ideia sempre foi sentir-se a vontade. Mas é preciso sair da zona de conforto, ter consenso e quando algo não tá dentro disso, a gente tem que sentar e trocar ideia pra se reorganizar. Assim é a Rastilho e que bom fazer parte disso tudo.

Mosh) A RASTILHO tem um time e tanto em sua formação. Como esse povo se reuniu para formar a banda e como estão enfrentando este terrível momento pandêmico?

E.C) A Rastilho surgiu de uma troca de ideias entre Marcelo Papa (Guitarrista) e Luiz Cláudio (baterista), convidaram o Cuca (baixista), pouco depois me convidaram, por fim o Kiko (guitarrista). Realmente um time e tanto, todos vieram (ou fazem parte) de bandas bem importantes da cena punk/hc/metal de São Paulo, importante inclusive para minha formação musical e de ideias.

Por aqui nestes tempos tem sido de muito trabalho, reflexão, autocuidado e apoio mútuo. Sobreviver à pandemia e ao pânico que ela está causando ainda hoje, mesmo com a vacinação acontecendo, ainda é um desafio, sobretudo porque também estamos enfrentando um outro vírus, que é o governo ultradireitista, negacionista de Jair Bolsonaro, que tem nos feito recuperar as histórias de lutas das mobilizações populares e manter a resistência frente a uma conjuntura pautada por um projeto de morte.

Desde o início da quarentena em março do ano passado (2020) nos encontramos pouquíssimas vezes e pontualmente, este ano que nos organizamos para gravar os vocais para o nosso segundo disco, pois foi a única coisa que não deu tempo de fazer naquele período, mas para os ensaios só voltaremos até que todos estejam vacinados e seguros.

Mosh) “O prego e o caixão” é um excelente disco. Parabéns. Fale um pouco sobre as músicas nele contidas, de como foi o processo de composição e de gravação até a prensagem final que reuniu alguns seletos selos independentes.

E.C) Valeu, Fellipe!

O disco reúne nossos primeiros sons, foram 11 músicas que compomos ao longo de quase 2 anos de banda. Muitas dessas músicas ficaram prontas antes mesmo de eu terminar de escrever as letras. Aos poucos fui aprendendo a lidar com esse período de composição, mas fomos acertando cada coisa no seu devido tempo. Não posso negar que tive a sorte de contar com pessoas como o Kiko e o Papa que também escreve, além disso o Kiko sempre me ajuda muito na hora que vamos encaixar as letras. No geral todo mundo tem trabalhado de forma bem coletiva. Gravamos de maneira bem independente no estúdio Duna que era o estúdio do Kiko. Ele e o Cuca cuidando de tudo, inclusive da mixagem. A masterização foi feita nos EUA, pelo Brad Boatright, do From Ashes Rise. E os selos são pessoas que já conhecemos, isso facilitou muito nessa dinâmica de prensagem e distribuição final. O disco chegou a mais lugares.

Mosh) Fora os shows, após o lançamento do debut a RASTILHO participou de uma gravação ao vivo pelo brilhante Canal Scena lá no renomado Family Mob Estúdio. Como foi essa experiência e como tem sido a repercussão?

E.C) Foi uma experiência incrível. As pessoas do Canal Scena e do Family Mob estúdio não só nos acolheu com muito carinho e respeito como também abriu uma porta para a banda e levou nosso som e ideias para que outras pessoas pudessem conhecer. Um ano depois do ao vivo no Scena ainda rola uma baita repercussão.

Mosh) Na escola fomos ensinados – não sei como será daqui para frente – sobre os males do regime militar, da violência da ditadura, da crueldade do sistema patriarcal religioso e da intolerância do machismo, algo que este (des)governo brasileiro traz à voga novamente em um retrocesso intelectual jamais visto em terras tupiniquins. Como a ONG na qual você trabalha analisa e está combatendo esse momento tão nebuloso, trágico e delicado da nossa história?

E.C) A SOF Sempreviva Organização Feminista é uma organização não governamental que faz parte do movimento de mulheres no Brasil e também em âmbito internacional, e uma das suas contribuições centrais está no campo da formação que tem sido uma forte campo de atuação desde os anos 1980. Nos últimos 5 anos (pós golpe contra o governo da presidenta Dilma) a SOF vem participando de mobilizações e contribuindo com reflexões coletivas sobre as ações que se tem sido feita para impedir os retrocessos de direitos no Brasil, que tem impactado no aumento dos conflitos nos territórios e na vida das mulheres. A pandemia escancarou e aprofundou as desigualdades no Brasil, 2020 foi o ano que a vida das mulheres foi absurdamente impactada pela covid-19, e isso demandou muito esforço coletivo para sustentar a vida em meio à essa crise sistêmica impulsionada pela pandemia e mantida por governos ultradireitistas. A SOF tem feito esse esforço coletivo para contribuir nos processos de debate e articulação entre movimentos e organizações sociais, e também na difusão de análises. Com esse acumulo a SOF junto a diversas organizações e movimentos aliados tem buscado se manterem firmes aos novos desafios impostos pelo capitalismo ultraliberal, racista e patriarcal, e mais concretamente tem contribuído na elaboração de alternativas feministas pautadas pela igualdade e pela necessidade de colocar a vida no centro do debate.

Mosh) Um combo de perguntas: O que te levou para a fotografia? Quando e como você se descobriu fotógrafa? E qual a importância da fotografia para a História? Pergunto isso porquê aqui no Fanzine Mosh estou cercado por bons fotógrafos…

E.C) Embora tenha registrado algumas coisas bem antes de ter meu próprio equipamento, considero que foi em 2010 que passei a me ver como fotógrafa, que foi quando percebi as possibilidades de registrar com mais frequência às resistências e as lutas políticas, sobretudo dos movimentos feministas e de mulheres.

Esse registro das mulheres, dos movimentos sociais e populares e também da comunidade LGBTQ+ na minha fotografia sempre foi o foco porque é o lugar que também faço minha militância, que também escuto, observo, aprendo, sou cúmplice, troco experiências e estratégias de luta. Nosso movimento é sensível a tantas pautas, e é essa pluralidade que quero documentar.

Essa também tem sido minha noção de engajamento na fotografia, que às vezes só dá pra ser percebida e delimitada pelas posições que nós fotógrafos ocupamos nos espaços sociais e pela prática fotográfica que vamos adquirindo ao longo da nossa trajetória.

Sem duvidas a fotografia é de extrema importância para história, sobretudo como meio de representação da informação documental, sem contar que ela assume papel fundamental na construção da memória.

Mosh) O quanto da sua militância anarquista e feminista estão presentes em suas letras?

E.C) Muita coisa! É impossível não transmitir para as letras questões que me atravessam politicamente. Tanto nas nossas leituras quanto nas nossas práticas cotidianas as ideias politicas continuam fortalecendo nosso pensamento enquanto banda. A pauta da educação, saúde, controle dos nossos corpos são elementos que estão muito ligados quando a gente critica um sistema político neoliberal e ultraconservador, e é fato que são questões que sempre estiveram presentes no Brasil, mas com a ascensão de um governo militarista e de base evangélica que vem nos impactando nos últimos anos, nosso olhar está muito atento e inevitavelmente esses temas aparecem nas letras.

Mosh) Elaine Campos, valeu demais. O papo tá bom, mas temos que parar por aqui. Essa é a saideira. Alguma coisa que queira acrescentar antes do costumeiro até breve aos leitores do Fanzine Mosh?

E.C) Agradeço a você Fellipe e ao Fanzine Mosh pelo convite e por toda essa troca de ideias. Valeu demais também as leitoras/es!

Aproveito também acrescentar que sempre acompanho o que vem sendo produzido por mulheres e pela comunidade LGBTQ+ na cena underground e tenho visto manifestações extremamente fortalecedoras e inspiradoras em diversas partes do Brasil. O cenário da música independente tem se renovado a cada ano, sempre pautado no faça-você-mesmo, lembrando e fortalecendo a história de outras mulheres e LGBTQ+! Nesse sentido aproveito para sugerir mais alguns canais que divulgam bandas e ideias do cenário punk/hc/metal atual para quem quiser ficar por dentro:

PROGRAMA DE RÁDIO ARRIBA LAS MUJERES: https://www.instagram.com/arribalasmujeresprog/

FLASHBANGER (idealizado por Steph Ciciliatti): https://www.youtube.com/channel/UCdwyEix2bN014gsaCqMJqlg

CANAL SCENA E O PROGRAMA BLASFÊMEA (apresentado por Nata de Lima e Sirlene Farias): https://www.youtube.com/channel/UC8qHGLwIebhLgRqjm_FprrA

HEADBANGUEIRA (Produzido por Nayara Angelica): https://www.youtube.com/channel/UClLt_RnxuPbHkQmXQ5g7dpg

PRETO NO METAL (canal coletivo produzido por Indie Lopes, Helena, Letícia e Cris): https://www.youtube.com/channel/UCyTVa0ouBmZbqjTuLAX-x2Q

COLETIVO GIRLS TO THE FRONT (coletivo de Fortaleza Girls to the front): https://www.youtube.com/channel/UCla8fwCMnxua-ZCirVoHzBw

COLETIVO LEVANTE DAS MINAS (canal do coletivo que organizava shows): https://www.youtube.com/channel/UCcH3f_qppGhRocG28o1FQPw

Aproveito pra deixar o link do meu perfil no instagram: https://www.instagram.com/elainecamposfotografia/

E para conhecer um pouco mais sobre a Rastilho, sobre as coisas que estamos fazendo, nos acompanhe nas redes sociais: https://linktr.ee/rastilho.crust

Rastilho nas redes:

Facebook (https://www.facebook.com/rastilho.crust),
Instagram (https://www.instagram.com/rastilho.crust/),
Bandcamp (https://rastilhocrust.bandcamp.com/),
YouTube (http://bit.ly/rastilhocrust)

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Postado em outubro 10th, 2021 @ 15:35 | 1.314 views
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