Hoje o Fanzine Mosh conversa com o guitarrista Clodoaldo Gradice, conhecido como Mendigo, principal compositor e único membro remanescente da banda ROT.
por Fellipe CDC
(FM) Para começo de conversa, você está com quase 50 anos e muitos deles dedicados à música subterrânea. Nesse sentido quero saber quais os fatores motivadores que o faz prosseguir nessa esburacada estrada do underground?
Estar em cima de um palco, viajar, tocar com pessoas queridas, conhecer pessoas com outros sotaques, outros costumes, é algo que não tem como descrever, mas o descontentamento, o ódio, a insatisfação com o Sistema me move ainda mais e pra mim política e música andam juntas.
(FM) Com a saída do Marcelo Big Boss (proprietário da loja Extreme Noise e do selo Absurd Records) você é o único membro original da formação da ROT. Acredita que isso aumenta um pouco a sua responsabilidade? Você ainda mantém contato com o Marcelo ou com algum dos muitos ex- integrantes?
Sim, aumentou, tenho noção disso e tento fazer o meu melhor. Tenho contato com quase 70% dos ex-integrantes, recentemente tive a oportunidade de rever vários deles. Quanto ao Marcelo, ele não fala comigo desde o que era para ser o último ensaio com ele, quando disse um monte de coisas sem nexo e desceu a escada rápido como o papa-léguas, Somente uma faceta intolerante e inflexível de Sua parte.
(FM) Você acha que tem algum resquício musical da Rigidity Cadaveric no som da ROT?
Não há nenhum, tanto que a proposta é totalmente diferente, mas as bandas que ainda me influenciam ainda são as mesmas: Celtic Frost, Death, Massacre, Paradise Lost, Morbid Angel, etc. Digo bandas de Death Metal que ainda me influenciam.
(FM) Tem como fazer um breve resumo sobre a vida da banda ROT?
É muito árduo a vida no underground, porém, gratificante em muitos aspectos. Passei por três décadas só com o Rot, vi muitas coisas acontecerem e hoje tenho maturidade suficiente para discernir muitas coisas, de avaliar outras e não opinar no momento onde se deve sempre ficar calado. Foram alegrias e tristezas, derrotas e frustrações, conquistas e negações. Se eu faria de novo? Sim, mas de outra forma…
(FM) O baixista Alex (músico da Cruel Face e da F.D.S e responsável pelo selo Bucho Records) é o segundo membro mais antigo da ROT agora. Queria saber como ele entrou na banda, uma vez que ele vinha do cenário metálico do ABC paulista, onde tocava na Warhate.
Eu considero o Alex uns dos músicos mais importantes que passou pela banda e está conosco no momento, ele gravou os discos mais importantes enquanto esteve na banda, é um músico com excepcional e talentoso. Ele se correspondia com o Marcelo, soube de uma vaga como baixista na banda – Marcelo da Silva após gravar o EP “all around us” já havia nos comunicado que iria sair – então ele largou a guitarra seu instrumento original e se juntou a nós, em dois ensaios, ele já tocava todo set da banda.
(FM) Há alguns anos você se mudou para o interior paulista, algo que, certamente, deve dificultar para ensaios mais frequentes ou regulares. Como a ROT está fazendo para romper e driblar o fator distância?
Além da distância, agora temos a pandemia… Eu vou para a Capital a cada 15 dias, fazemos dois ou um ensaio de 3 horas, isso dificultou muito a composição, porque de uns anos pra cá, aparecerem muitas oportunidades de tocarmos ao vivo, parávamos de compor para fazer sets, foi ruim e bom ao mesmo tempo, mas é o que dá pra fazer no momento
(FM) A ROT ficou inativa por alguns anos. Fizeram falta. Quando e por quais razões decidiram voltar ao front e o que você fez durante essa hibernação Rotneana?
Ficamos parados por cinco anos, com exceção de mim, que fiz faculdade de História, os outros membros atuaram de alguma forma na Cena, nem sei dizer em que campo, pois estava ocupado demais estudando e com duas crianças pequenas em casa. Resolvemos voltar depois que eu comecei a frequentar novamente os lugares onde as pessoas da cena colavam, era uma enchessão de saco da porra!!! Fizemos algumas reuniões e voltamos
(FM) Bicho, eu perdi as contas de quantas cartas enviava para você no final dos anos 80/começo dos 90. Escrevia tanto para você e para o Amaudson Ximenes (Obskure / Associação Cultural Cearense do Rock) que até hoje lembro o endereço de ambos. De vez em quando te bate algum sentimento meio saudosista ou desse mal você não morre?
Deste mal eu não morro…rs. Foi outro contexto, né? As coisas eram diferentes, duro de sobreviver, quantas amizades perdidas ao longo de tanto radicalismo, intolerância e falta de compreensão, sensibilidade, etc. Não gosto de olhar para trás e muito menos sentir saudades, tem muita gente de trinta anos atrás ai na ativa, ainda moldando os alicerces do Underground, ser saudosista só faz doer o coração, temos que olhar para frente e se adaptar ao que este ai, mesmo não concordando, mas não deixando de apontar caminhos.
(FM) Em 2019 a ROT teve o privilégio de ser uma das atrações principais do concorrido Obscene Extreme. Qual a sensação de ter tocado em festival desse porte e qual a sua opinião sobre a produção como um todo?
Você esteve lá, já estive em outros festivais de grande porte. Mas a energia que paira naquele campo de batalha – que realmente foi um campo de batalha no passado – não dá para descrever, só estando lá, mesmo!!! Produção nota 10 no atendimento e consideração as bandas, não temos nada a reclamar.
(FM) E já que falamos em Europa, quais as melhores e piores lembranças das outras vezes que a ROT esteve por lá. E, curiosamente, diga-se, cada uma das vezes, incluindo a apresentação no Obscene, com formações distintas.
1996 – Melhor: foi ter conhecido e tocado bandas que a gente amava ou escutava como Pink Flamingos, Agx, Hiatus, Intestinal Disease, etc.; pior: ficar sem tomar banho por quase sete dias, como comida escassa embaixo de um calor de 40°graus na Espanha.
1998: – Melhor: difícil dizer qual dia foi melhor, vou só ilustrar um, um dia de folga em Antuérpia (Bélgica) onde um cara – não me pergunte o nome – deixou o apartamento para gente descansar e dormir, era pequeno, mas fizemos umas compras, tomamos banho, cozinhamos, jogamos dominó, baralho e assistimos Teletubbies (diga-se de passagem, não tinha chegado à exibição deste programa aqui no país) que foi a coisa mais incomoda que vi em minha vida depois de anos na TV. Pior: ter dormido em cima de uma boate em um dos Canais de Utrecht (Holanda) em frio de 4ºC juntamente com os pombos.
2002 – Melhor: difícil também, difícil lembrar de uma gig ou situação menos tensa nesta tour, mas foi ter ido depois de uma gig na Holanda a um navio russo ancorado no porto que era um centro cultural flutuante, ficando um final de semana em portos diferentes da Europa, o pessoal do Wojczech era amigo de todos a bordo, já que, no inverno, eles ficavam ancorados em Sua cidade natal – Rostock/Alemanha. Lá gravamos uma jam que se perdeu em uma fita VHS muito boa por sinal, comemos e bebemos a vontade com quartos muitos quentes e aconchegantes. Pior: foi uma gig embaixo de um viaduto na Itália – não me recordo à cidade, acho que Udine – onde o público era quase todo viciado em Skunk, inclusive o cara que arrumou a gig que se encontrava travado deitado em uma mesa, os mais sóbrios se recusaram a nos dar um lugar pra ficar, tivemos que ficar por lá com barulhos de caminhões, carros que passavam pelo viaduto, pernilongos infernais aliados a um calor insuportável.
2019: Bem, como eu disse acima, não temos que reclamar de nada do OEF. Pior: foi no aeroporto de Praga, capital de República Tcheca, os pratos e pedal do baterista, mais minha guitarra foram para França, juntamente com todo line up do GBH, achamos que tínhamos perdido tudo naquele momento, nós e o GBH fomos calados na Van olhando um para os outros como se disséssemos mentalmente: “que foda foi isso…”.
(FM) Falar um pouco sobre o futuro agora. Começando pelo Split 7 EP ao lado da canadense Archagathus. Algo que possa adiantar?
Já faz umas décadas que enrolamos nossos amigos canadenses, combinamos no começo da pandemia que para o final do ano de 2020 a gente gravaria nossa parte, já que eles já tinham os sons prontos. A minha surpresa ou não, foi que eles usaram a gravação deles para outros EP – isso é bem normal, tá? – e no momento estão compondo novamente depois de 5 meses rígidos de quarentena. Acredito que o EP saia no primeiro semestre por dois selos ingleses.
(FM) E tem também o LP, né? Serão 26 sons novos e com algumas participações especiais como a do João Gordo, por exemplo. Dá para falar mais coisas sobre esse vindouro vinil?
Eu pessoalmente não gosto de gravar discos longos de Grindcore, gosto de EPs Split, assim uma banda divulga outra, puxa a outra e etc. Mas ficamos tanto tempo enrolando para lançar algo físico que decidimos há três anos a lançar um Full, por que demorou tanto? Pelo motivo que citei acima: distância, tempo, compromisso, etc. É um disco quase temático, porque as letras só foram escritas agora nesta triste era Bolsonaro e pandemia então nossos sentimentos perante a tudo isso estão estampados nas canções. Temos a presença do João Gordo que escreveu e fez a linha de vocal de uma música, temos a Helô que é uma poetisa e vocalista da banda A vida toda um quase e da Karine Campinile que é uma das melhores guitarristas da cena paulista.
(FM) E este ano o Cruel Face of Life (para mim um dos trabalhos mais marcantes da ROT até o momento) foi relançado em vinil. Mais alguma novidade nesse sentido?
Sim, teremos praticamente nossa discografia inteira relançada em vinil, mesmo com os prazos atrasados, vai sair todos!!!!
(FM) Essa pandemia fodeu meio mundo e mundo e meio e, com certeza, deve ter fodido com vocês também. Quais os planos da ROT tiveram que ser adiados ou cancelados em virtude da Covid-19?
Além do full album que era para ter saído o ano passado, perdemos tours, gigs, ensaios e afins. Mas não podemos ou devemos reclamar, foi parte do processo, faz parte ainda, tem gente que se fudeu muito, estamos bem.
Também vamos lançar um split EP com a banda canadense Archagathus, vamos preparar um set como fizemos para o OEF com músicas de todas as fases da banda para os Festivais Armageddon Fest, Setembro Negro e XXXapada naTromba que foram adiados o ano passado devido a pandemia. Claro, tudo dentro dos protocolos de segurança.
(FM) Você participou do Pano Humildo um puta projeto do músico e produtor Anderson Mattielo, onde tocou ao lado dele, do Edu e do ogro do Borella, um som da Terrorizer. Como foi essa experiência e se ela não atiçou a sua vontade de montar algo fora da órbita da ROT?
Cara, sou muito fiel ao Rot, não me vejo tocando em outra, tanto que tentei fazer isso poucas vezes e vi que não tinha a praticidade de tocar com outros caras, fazer musicas para eles que não soassem igual ao Rot, isso foi um dos motivos de continuar com a banda mesmo com a saída do Marcelo, tudo que eu faço, vira a banda, não sei se isso é ruim ou bom. Mas tenho ainda muito desejo de ter uma banda stoner, muito antes de ser moda, só não arrumei tempo, mesmo.
(FM) Já que tocamos no assunto cover, a ROT já tocou ao vivo e já até gravou em alguns dos muitos trabalhos lançados músicas de outras bandas, nesse sentido vocês nunca cogitaram a possibilidade de lançar algum material só com covers, como fizeram Ratos de Porão, Slayer e tantas outras bandas.
Bem antes de a gente ter paralisado nossas atividades em 2008, a gente tocava nas gigs o que chamávamos de Sore Throat sessions, acho que até tem no youtube no canal do Jeferson Pizoni um fragmento ao vivo desta sessions, que incluía além do ST, Napalm Death (que foi gravado no Ep) Terveet Kadet, Hiatus e Black Sabbath (versão Doom) isto seria um lado do Ep, do outro, seria covers de bandas nacionais que não gravaram discos físicos, havia esta cogitação porque a gente estava na pegada, entrosados, etc. Não sei se isto é relevante no momento, porque quase a gente não se vê, então damos prioridades para músicas autorais, mas sempre comentamos algo sobre tirar um cover, quem sabe…
(FM) Como você é professor e historiador, sou obrigado a perguntar algo: como você analisa o retrocesso cultural, político e intelectual que o Brasil mergulhou nos últimos anos?
É culpa do PT, claro!!!(risos). Brincadeiras a parte, este neofascismo vem crescendo não só no Brasil, é fenômeno mundial, com células em todos os lugares do globo, por que aqui seria diferente? E é diferente
É diferente porque apesar de termos um presidente claramente fascista, “ainda” as bases da democracia mesmo que capenga e cega ainda tentam funcionar com todos os dissabores que penamos e sofremos, temos uma esquerda cirandeira que insiste no nome de Lula que não atinge as expectativas desta classe média que esta ai criada pelo seu governo que se voltou contra eles na forma do antipetismo, o crescimento assustador das igrejas neopentecostais, a volta dos militares em cargos importantes e as milícias fazendo o trabalho sujo virar limpo. Não vejo uma saída pratica, porque a esquerda corre atrás do próprio rabo e em benefício próprio, vivem em uma bolha, esqueceram-se das bases e vamos levar pelo menos 15 anos (se trabalhado as bases) para a esquerda ter uma representatividade no poder novamente, até lá, voltaremos ao nível da pobreza, da miséria e do descaso que tanto assombrou o Brasil durante a ditadura civil e militar no país.
(FM) Meu grande e velho amigo, já falamos demais, hora de você agradece aos leitores do Fanzine MOSH. Obrigado pela sua atenção e, em especial, amizade.
Obrigado pelo espaço nos
cedidos aqui, estou muito grato, e nos vemos se tudo ocorrer bem dentro do protocolo
de segurança em maio no Armageddon Metal Fest!
Até lá, se cuidem e cuidem dos Seus!!!