por João Calixto
Grande revelação do underground carioca, o Nefärioüs D-Saster, mantém a sua luta na divulgação do seu último trabalho, o split “Herdeiros de uma Guerra Civil”, juntamente com a banda Pós-Sismo. Utilizando de maneira inteligente as suas mídias digitais, conversamos com o vocalista Balthä, que nos conta as novidades da banda e os projetos programados para o pós-pandemia.
FM – O último lançamento do Nefärioüs D-Saster , foi o split “Herdeiros de uma Guerra Civil”, em parceria com a banda Pós-Sismo e foi lançado em meio a toda essa turbulência que o mundo vive. Fale nos como foi fazer esse trabalho, em meio a essa pandemia mundial.
R: Beleza meu xará! Obrigado pelo espaço. Bom, esse split é o primeiro material de inéditas desde 2018, mas na grande realidade, ele estava quase pronto desde 2019. Nós gravamos o instrumental no estúdio Zeus (São Gonçalo) ao vivo. Era pro vocal ter entrado junto, mas começamos a alterar aqui e ali, daí acaba que não deu pra terminar no mesmo dia. Conforme foi passando o tempo, fomos testando diferentes maneiras de gravar os vocais afim de não impactar na qualidade. Os vocais foram originalmente gravados em casa, mas um deles (Cidade de Sangue) precisou de mais de uma gravina. Só viemos acabar essa última faixa no dia em que estávamos no estúdio Grindhouse (Centro) gravando algumas baterias, e nosso amigo Bruno (Baga, Uzômi, Arrested for Possession, entre outras) nos cedeu um tempo a mais pra finalizar. No fim, Leo Crust (Pós-Sismo) finalizou a mixagem e masterização pra nós. A arte de capa foi mais uma vez assinada por Yuri Opositor. Foi um disco bastante colaborativo e que deu uma satisfação de lançar, ainda mais nesses tempos complicados. Algo pra ajudar a gente a ter um norte e continuar seguindo em frente, mesmo com tudo como está. E como fica claro, desde a capa até à faixa final, o ar de protesto se faz presente.
FM – As músicas escolhidas para esse split mostram a banda em toda sua essência, um Crust clássico, sem misturas ou firulas. Vocês acham o Crust, o estilo ideal para se encaixar com suas letras?
R: Bom, temos diversas influências, mas acredito que sim. Nossas letras têm diversas discussões politizadas, discussões estas que o subgênero do Punk, Crust e Hardcore sempre visam levantar, mas usamos e abusamos da licença poética de estilos como Grindcore e Death Metal para expressar isso de maneira explícita e violenta. Tentamos sempre unir o melhor do D-beat e Blast-beat pra passar a nossa mensagem.
FM – O Nefärioüs D-Saster passou por uma renovação em sua formação e agora vocês são um quinteto. Como foram essas mudanças e quais os benefícios que elas trouxeram ao som de vocês?
R: É claro que é complexo imaginar o funcionamento de uma banda com muitos integrantes. A sorte é que antes de tudo somos grandes amigos, portanto a fluidez é garantida. Também é interessante, pois cada um traz suas influências e conhecimentos para contribuir pro andamento da banda. Duas guitarras nos permitem solos mais recheados, além de ares mais psicodélicos ou “esquizofrênicos”. Isso estranhamente nos fez também aproveitar mais o baixo nas músicas, até porque as cordas estão em constante sintonia. Todos ajudam a bateria a conduzir a cavalaria. Acredito que pouco a pouco, conforme os novos sons forem sendo produzidos, essas diferenças serão cada vez mais aparentes, de forma positiva, claro.
FM – Com essa reformulada na formação, como estão os trabalhos para um próximo trabalho individual?
R: Nós tínhamos acordado em participar de algumas coletâneas e splits, portanto primeiro iremos arcar com os combinados antes de dar o próximo passo. Mas posso assegurar que eu, Diego, Faria, Donato e Mateus estamos maquinando um trampo individual para o quanto antes. Estamos trabalhando com calma até mesmo levando em consideração atual, pois é um momento difícil ao psicológico às vezes. Mas temos muitas novidades vindo por ai.
FM – Você (Balthä) fez parte do Disfigured by Hatred e após a sua saída, você formou o Nefärioüs D-Saster. O que você trouxe de inspiração, que contribuiu para o trabalho da banda?
R: Bem, o que posso dizer que trouxe de lá foi à experiência, pois quando eu tinha a DBH eu era bem jovem, e fui pouco a pouco aprendendo como cada coisa funciona assim como a atitude D.I.Y. e também a essência do som cru. Sinto-me bem realizado com o que fiz naquela época, com tudo o que concretizei e aprendi e sei que cada dia mais tem me ajudado a construir o caminho com a Nefärioüs.
FM – Antes da paralização das atividades sociais, vocês realizavam diversos shows no circuito underground. Como esta sendo para vocês, esse recesso forçado, impossibilitando a divulgação do trabalho?
R: Na realidade, não estamos tendo muito problema com divulgação, uma vez que aproveitamos a internet para isso (até porque, o momento justifica). O que foi realmente difícil foi desmarcar os shows (tínhamos dois shows na Zona Norte do Rio e um no Centro, no qual iríamos inclusive gravar um 3way split ao vivo com Sangue de Bode e Litrão), incluindo nossa primeira mini turnê em SP. Nos conhecemos em 2016, certo? Pois bem, com a Disfigured, nunca tínhamos conseguido sair do Rio. Mas com a Nefärioüs, conseguiríamos esse feito pela primeira vez. Infelizmente, tivemos que desmarcar. Mas sabemos que é por um bem maior e esperamos poder remarcar tudo posteriormente, quando essa loucura tiver acabado. No momento, queremos apenas respeitar o isolamento social (mesmo que a população brasileira em sua maioria já esteja cagando pra isso) afim de preservar nossa saúde, de nossos entes queridos e amigos.
FM – Fale-nos do Motim Underground e como ele funciona.
R: Bem, o Motim Underground na verdade é um projeto que começou em 2017 com o Ruy Araújo (Kill Bozo), com a ideia de divulgar bandas do underground sem aquela velha “separação de classes”. Nas playlists você encontrava bandas consagradas junto de bandas novas… e foi ai que nossos caminhos se esbarraram, pois numa dessas playlists, estava a Nefärioüs. A partir daí, começamos a trocar ideia e o Ruy me convidou pra estrear um quadro no canal (Meia dúzia de Álbuns). A partir daí, comecei a trazer mais algumas ideias e atualmente estamos ai, ativamente produzindo conteúdo da mesma forma, respeitando todas as bandas por igual, sempre em prol do underground.
FM – Nesse período de confinamento, as redes sociais tem sido um grande canal de divulgação para vocês, não? Como ela se mostrou útil nesse momento?
R: É como eu gosto de dizer nos vídeos: esse é o momento de mostrar que a internet pode ser uma aliada ao underground. Sabemos que os tempos são difíceis, não é fácil sair comprando merchan, mas sempre existem outros meios de apoiar uma banda. Compartilhar seu som nas redes sociais, marcar amigos pra conhecer, ouvir espontaneamente, são alguns dos meios mais simples de ajudar, e no geral não custam literalmente nada. Pouco a pouco estamos conseguindo nosso alcance de maneira honesta e mostrando como a internet pode ajudar muito a cena underground.
FM – E vocês são bem atuantes nelas, seus canais digitais trazem bastante informações e material relacionado à banda. Ter um maior número de canais de divulgação disponíveis faz a diferença não?
R: Nós levamos muito a sério a ideia de que a música tem que ser democrática, para que todos possam ter acesso. O que mais atualizamos é nosso Bandcamp, pois ali não só o pessoal pode ouvir como ainda pode baixar gratuitamente os discos ou faixas que gostar. Claro que mantemos também o canal do Youtube e aderimos às plataformas de streaming para quem curte esses meios, mas não escondo que o Bandcamp é um dos meus favoritos. E sim, muito bem colocado, pois quanto maior o número de canais de divulgação, mais chances de que as pessoas conheçam seu trabalho. Afinal, cada um tem seu jeito favorito de ouvir música, cabe à música se adaptar a isto também.
FM – Li muitas declarações suas, falando da falta de engajamento dentro da cena underground, no que diz respeito a atitudes de torna la cada dia mais reconhecida. Você não acha que essa apatia já é uma mania “ruim” da população em geral, não só no movimento underground?
R: Concordo com a colocação. A população em geral sofre de fortes tendências comodistas e entreguistas. É uma pena ver isso sendo reproduzido no meio underground. Eu não sou nenhum guardião da moral ou dono da verdade, mas sou uma pessoa que gosta de ser um agente atuante na cena underground, e me cansa ver a falta de empatia, o vira-latismo, a passação de pano, a “imagem acima da ideia”, e muito mais atitudes idiotas ganhando os holofotes e poucos darem atenção a quão perigoso isso pode ser. O headbanger adora falar mal da indústria musical, mas não percebe que até mesmo músicos de indústria vem agido de forma muito mais efetiva em seus nichos, do que ele em si para a contracultura. Eu não tenho mais tolerância com aquele velho discurso de que “a cena está morrendo” de quem só dá atenção às artistas que não tem nada a acrescentar ou prefere gastar 300 reais em shows gringos e/ou de grande porte e nunca vai a nenhum show local pra conhecer e/ou apoiar bandas novas. E não só reclamo dessa galera, como sigo firme nos meus trampos com a cena, seja com a banda, seja com o selo (que retomou as atividades recentemente, agora sob o nome de Underground Gräves Distro) ou seja com o canal. Enquanto houver esperança para a galera do underground, quero sempre ser um dos contribuintes para isso.
FM – E você acha que isso poderia mudar de que maneira? Quais seriam as atitudes para que essa apatia possa ser substituída por algo duradouro e transformar a cena em uma unidade mais atuante?
R: São atos muito simples cara. Busque bandas que lhe agrade pra demonstrar um interesse genuíno, compartilhe o som, convoque amigos pra conhecer também. Está com condições de comprar um material de banda ou selo? Compre. Apoie. Não faltam bandas, selos e projetos para conhecer no cenário, e todos podem ser ajudados dessas simples maneiras. As pessoas acham que não, mas todo ato de demonstração de interesse é válido, pois você pode estar ajudando alguém a continuar com o trabalho, continuar fazendo o que gosta. Em minha opinião, isso pode influenciar até em nossa postura enquanto cidadão, mudando o jeito como enxergamos as coisas em sociedade. O underground está repleto de músicos, artistas de diversos segmentos, selos, enfim, pessoas de diversas áreas atuando diariamente como podem pela manutenção e continuidade da cena.
Em nome de toda a equipe do Fanzine Mosh, agradecemos imensamente pela entrevista e deixe uma mensagem a todos os nossos leitores.
R: Muito obrigado pelo espaço e força na jornada, sempre. Eu gostaria de agradecer também a todas as pessoas que apoiam a Nefärioüs, bem como o Motim Underground e até mesmo o selo e fazer aqui dois apelos, válido até para quem não acompanha: primeiro de todos, cuidem-se. Cuidem de seus familiares e amigos. Vamos respeitar o isolamento social para querer o bem a aqueles que nos querem bem. Vamos passar por esse momento. O segundo é que nunca, nunca deixem de apoiar o underground. Existem atitudes indefensáveis, e isso você deve boicotar sempre. Uma pessoa que pratica uma desonestidade jamais deve ser “protegida” por seu trabalho, é preciso julgar. Agora, se tratando de bandas, selos e demais artistas que fazem seu trabalho honestamente, temos diversos no cenário aguardando o seu apoio. Sim, o seu apoio faz a diferença. Lembre-se, seja curtindo, apresentando a amigos, compartilhando, seja comprando o material disponível, não faltam formas de ajudar. Não mando na carteira de ninguém e nem quero, mas sei que muitas das bandas conceituadas que ouvimos podem esperar pra vender seu merch. Respeitem e apoiem os projetos do subterrâneo para que sempre haja esperança! RESIST!
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