O dia primeiro de dezembro de 2023 marcou o lançamento do novo disco do Tuatha de Danann, chamado “The Nameless Cry”. Produzido a partir de um bem-sucedido crowdfunding – a popular vaquinha – o disco contou com o financiamento antecipado de 111 fãs, que a banda agradeceu via instagram
Ao ler este review tenha em mente que sou fã da banda e participei do financiamento coletivo do disco.
por Bruno Buys
O novo play contém oito músicas e mais uma faixa bônus, a versão instrumental da The Nameless Cry, que dá nome ao disco. Tudo que esperamos de peso, melodias, refrões marcantes, solos e misturas de instrumentos elétricos e acústicos está lá. O disco brilha do começo ao fim! Seja na composição ou na execução, o talento dos músicos do Tuatha para a criação de lindas passagens salta aos ouvidos. Quando o play rola, é impossível não ser tragado para dentro do imaginário mítico celta-mineiro-metálico do povo de Danu!
Além do talento musical de todos os envolvidos, da pandemia para cá eles têm desenvolvido também o talento para manter mobilizada sua base de fãs. O disco anterior “In Nomine Éireann” foi também financiado coletivamente com aporte dos fãs pela Internet, tendo sido lançado em 2020. O modelo de financiamento coletivo dos fãs pelo jeito veio para ficar. Neste “The Nameless Cry” a banda entregou tanto material que tinha alguns dias que era difícil acompanhar. Através de um canal pelo whatsapp a banda mantinha a base de fãs informada de tudo que se passava ainda na fase de composição, divulgando vídeos breves com bate papos bem descontraídos e informais sobre como as músicas estavam nascendo, com que cara estavam ficando. Depois, durante a fase de gravação, os vídeos e comentários colocavam o fã sentado do lado da mesa de som, espiando e sentindo o clima do que estava rolando, e ouvindo as músicas sendo gravadas. O Bruno Maia e o Edgard Brito faziam isso de uma maneira tão fluida, descontraída, que a sensação era mesmo a de ter sido convidado para ir dar uma orelhada na gravação do disco.
Esse cuidado todo da banda torna muito fácil ser fã do Tuatha!
Participar da vaquinha online de um disco do Tuatha significa estar com olhos e ouvidos lá na terra do ET!
A sonzeira abre com “The Nameless”, de letras fortes, intensa, com vocais de apoio guturais. Aqui as flautas do Bruno Maia e o violino de Nathan Viana já começam a desenhar alguns padrões no ar. Mas haverá mais, muito mais. Há uma linha quase constante feita pelo teclado do Edgard Brito, que cria uma atmosfera de urgência, de dramaticidade. Na verdade o play inteiro tem essa atmosfera, que a banda sabe criar muito bem e administrar, intensificando em alguns momentos, relaxando em outros. O tom do teclado criado pelo Edgard aqui lembra o Theremin, uma espécie de “avô” dos instrumentos eletro-eletrônicos, um ancestral do teclado moderno. Resumidamente, o Theremin cria um campo magnético no ar e o músico, ao atravessar o campo com a mão, produz perturbações neste campo que o instrumento transforma em som. A imagem do músico tocando um Theremin tem algo meio “mágico”, por causa da mão no ar. Nas palavras do próprio Edgard: “Para quem não conhece este Instrumento: o Theremin foi criado entre 1927 e 1928 pelo Russo Leon Theremin. E sua aluna Clara Rockmore foi a melhor intérprete, que revolucionou a arte de tocá-lo. Se um dia eu pudesse me transformar em um Instrumento… seria este com certeza, ele é o precursor dos teclados eletrônicos! Clara RockMore é a minha musa absoluta que toca o ar para a magia se transformar!” A temática dessa faixa envolve uma crítica social da realidade distópica em que vivemos, e da modernidade que devora tudo, homens, mulheres, bichos e plantas e o nosso meio ambiente. A voz semi-sintetizada que acompanha os refrões reflete a multidão, o extrato de baixo da nossa pirâmide social, relegado a desempenhar trabalhos automatizados e repetitivos: “We keep on operating like machines day and night / Work dignifies, work dignifies / We know to push the button, yet we don’t know why, we don’t know why / We do know when, but we don’t know why”.
Na questão da temática, o disco traz um Tuatha de Danann menos mítico e mais crítico. A mitologia celta foi deixada de lado em prol de assuntos sociais e ambientais atuais, como a desigualdade, desunião e a distopia.
Na verdade estes dois universos não se separam assim facilmente. No passado recente a banda usou alegoricamente figuras de seres encantados para sugerir ideias políticas, como em “The Calling”, do disco anterior “In Nomine Éireann”, que diz “the green men told us late at night / that all we have to do is to set the king on fire / to pray is not enough / we need action said the green men / Hark brothers and sisters, we need your fists united!”. “The Nameless Cry” não é exatamente um disco conceitual, mas tem uma unidade temática bem evidente.
E por falar em unidade, “United” dá a sequência. Bases de guitarra bem corridas, combinando com linhas de baixo destacadas e bateria implacável! Essa faixa foi um single lançado antes do play, que mantém o peso e o ritmo acelerado da anterior. Destaque do disco, se é que dá para apontar só uma. Lindos solos de guitarra, mesclados com passagens inspiradas de teclado. Nessa faixa a temática sugere a união de toda a humanidade, como forma de superar os problemas que temos hoje. Quem assina a bateria nessa faixa é Fabricio Altino.
“A Fragile Whisper to a Raging Roar” já altera um pouco a pegada, com introduções dedilhadas, mas ainda bem pesada. E é bastante progressiva, também, com solos de teclado bem aparentes e linhas de baixo – gravado pelo Bruno Maia – bem marcantes. É legal sacar as influências da banda através das músicas. No caso dessa, aparece bastante o Yes, a banda inglesa de rock progressivo que foi influência pelo menos – que eu saiba – para o Bruno Maia e para o Edgard Brito. Solos de guitarra nessa música são do Hugo Mariutti, que participou como convidado do play!
Alguém que de repente percebe que seu/sua companheira já não é a mesma pessoa, cuspindo ódio, preconceito e egoísmo. Soa familiar? Este é o tema da faixa, que conclui com “all that is left is to drift apart…”.
Dramático, e bem dentro do que tantas famílias viveram no Brasil recentemente.
A pegada progressiva permanece ainda em “The Rabble’s Cry”, só que também bastante dramática e intensa. Essa faixa produz um choque no ouvinte, muito bacana, na hora que entra o refrão rasgando, bem porrada.
O Bruno Maia também tocou baixo nessa faixa. A sequência fica muito legal, conduzindo para a “Spark”, uma “faixinha” de 37 segundos, cantada pela incrível Daísa Munhoz, e com letra de Martin Walkyer, que desemboca na sinistra “The Virgin’s Tower”, faixa dedicada às mulheres que foram torturadas e estupradas durante a ditadura militar brasileira. Em particular a primeira delas, Dulce Maia. Daísa também canta esta faixa, em dobradinha com um vocal gutural. A letra dela é bem pesada, faz refletir sobre esse período tão difícil da vida nacional. Uma coisa interessante é que a letra de “Spark”, a minifaixa anterior é o refrão de “The Virgin’s Tower”, ambas creditadas a Martin Walkyer.
A música que se segue “Clown” é provavelmente a de letra mais explicitamente política, uma crítica a uma figura proeminente da vida política do Brasil. Embora na temática a banda tenha deixado de lado um pouco a mitologia celta para focar mais nas questões políticas e sociais brasileiras, a influência celta na composição continua beeem presente!
“Clown” é bem direta e pesada, mescla bases de guitarra com violões e tem lindas linhas de flauta.
O disco fecha com “Revenge”, mantendo o mesmo nível alto das músicas anteriores. O refrão dramático, até meio teatral, operístico é acentuado pela participação da cantora Julie F. Gonçalves, como uma espécie de backing vocals que dão uma dimensão a mais, de profundidade, uma coisa realmente impressionante. A temática do anticolonialismo (ou anti-opressão, talvez) remete a alguma tribo ou povo que foi subjugado por um invasor e deseja livrar-se dele. Ao fim, uma orquestração instrumental dá um tom de esperança, fechando o disco. Há uma faixa bônus, a versão instrumental da The Nameless. Esta faixa bônus do CD não está disponível no Spotify.
Como disse no começo, sou fã da banda e gosto de tudo que eles fazem.
Este disco é um super acerto, consegue um equilíbrio entre o som do Tuatha já conhecido dos fãs e também algumas inovações. As colaborações adicionaram bastante diversidade às músicas. Eis aqui os créditos completos dos convidados:
Hugo Mariutti – guitarra solo em “A Fragile Whisper to a Raging Roar”
Daísa Munhoz – vocais em “The Virgin’s Tower” e “Spark”
Fabricio Altino – bateria em “United”, “The Rabble’s Cry” e “The Virgin’s Tower”
Romulo Salobreña – violino em “Revenge”, “The Rabble’s Cry” e “Clown”
Julie F. Gonçalves – vocais em “Revenge”
Edson Guerra – vocais em “The Virgin’s Tower”
Adriano Sarto – vocais em “A Fragile Whisper to a Raging Roar”
Nathan Viana – violino em “The Nameless”
Rafael Salobreña – bodhran em “Revenge”
E o Tuatha de Danann é:
Bruno Maia – vocais, guitarra, violão, banjo, bouzouki, tin and low whistles
Edgard Brito – teclados
Giovani Gomes – baixo e vocais
Rafael Delfino – bateria e vocais
Raphael Wagner – guitarras
O novo disco “The Nameless Cry” está disponível na loja online da banda!
Faixas:
The Nameless
United
A Fragile Whisper to a Raging Roar
The Rabble’s Cry
Spark
The Virgin’s Tower
Clown
Revenge
Bonus Track:
The Nameless (instrumental)
Fotos: Tuatha de Danann ao vivo no Manifesto Bar SP, dia 08/12/2023.