Mais uma pérola do Doom/Stoner brasileiro
Por Henrique de Paula
É ocioso dizer que o Brasil já está há algum tempo consolidado no cenário metálico mundial, e isto se deve principalmente à excelente qualidade de nossas bandas, principalmente das que portam uma sonoridade extrema e agressiva. Com efeito, foi no nicho do thrash e do death metal que nosso país despontou ao mundo nos anos 80 e 90, ainda que tenhamos também diversos representantes das vertentes melódica e tradicional do metal. Dito isto, é preciso assinalar que o subgênero que mais cresce nos últimos anos no Brasil é o do stoner/doom. E esta profusão de excelentes bandas que bebem nas águas negras e profundas de ícones como Black Sabbath, Pentagram, Trouble e Cathedral, para citar apenas os pais do estilo, já alcançou a maturidade de um movimento independente em nossa cena. Dentre os diversos selos e produtoras que capitaneiam esta guinada, figura com muita competência e empenho o selo e produtora Abraxas, sem dúvida, o maior nome associado ao estilo no Brasil. A presença mais recente de seu cast é a mineira Pesta, batizada em referência ao terror da peste negra na Europa medieval e à mitologia pagã.
Formada em Belo Horizonte em 2014, a banda, que conta com Thiago Cruz nos vocais, Marcos Resende e Daniel Rocha nas guitarras, Anderson Vaca no baixo e Flávio Freitas na bateria, acaba de lançar seu segundo full-lenght, intitulado “Faith Bathed in Blood”. Lançado em fevereiro deste ano em plataformas digitais, o álbum foi gravado e produzido no final do ano passado por André Cabelo no Engenho Studio na capital mineira. O trabalho, sem dúvida, representa um passo adiante na evolução do grupo que havia estreado com o EP “Here She Comes” em 2015, seguido pelo álbum “Bring Out Your Dead” de 2016. Precedido pelo single “Nightmare”, um distinto cover de seus conterrâneos do Sarcófago, lançado no início de 2019, “Faith Bathed in Blood” será certamente um marco na história da banda e, quiçá, na história da música pesada brasileira.
Se, por um lado, a presença dos riffs da escola de Tony Iommi na sonoridade do grupo não é nenhuma surpresa, o elemento distintivo do Pesta reside precisamente nos vocais de Thiago Cruz. A referência sonora máxima, porém, permanece a banda inglesa, fundadora do estilo que amamos, mas da menos comentada fase do final dos anos 80, que contava com o competente Tony Martin nos vocais. Se alguém me dissesse que este álbum do Pesta era, na verdade, uma obra perdida do Sabbath de algum período entre os excelentes “Tyr” e “Cross Purposes”, eu seria facilmente enganado. Mas é evidente que Thiago Cruz não é um mero emulador do mais subestimado dos vocalistas dos pais do heavy metal, pois é nas nuances de sua interpretação que seu estilo pessoal se estabelece.
Mas todo o resto está lá: a cadência hipnótica, o peso das guitarras, o baixo gorduroso, e aura obscura. “Witche’s Sabbath” é a abertura perfeita, com seu passo lento e letra ocultista, entregando de modo certeiro todos os elementos da marca registrada da banda. “Anthropophagic” começa com uma linha vocal de fôlego de Thiago e revela a cultura acadêmica dos integrantes do grupo em sua letra (a banda só possui três professores de História!). Nesta se percebe o quanto o Pesta se preocupa com os arranjos de suas canções: ouça com fones de ouvido para não perder os detalhes percussivos e os efeitos discretos que permeiam a gravação. Ironia nada velada à religião vem na terceira faixa, “Hand of God”, mais acelerada e de riff marcante, com um refrão fácil de conquistar plateias em uma apresentação ao vivo.
“Blood Mists” é curta e acústica, de letra recitada, uma soturna ponte para “Moloch’s Dream”, uma ode ao paganismo, onde destacam-se os trabalhos vocais de Thiago e o passos marcados pela competente cozinha dos mineiros, cortesia de Vaca e Freitas. “The Myth of R’lyeh” parece uma continuação de “Blood Mists”, tanto musicalmente quanto liricamente, e revela, por isso, a sofisticação estética da banda que escolheu intercalar entre a sequência das duas canções uma peça musical distinta, marcando, assim, o trabalho com pelo menos um elemento de imprevisão e surpresa. “Thulsa Doom” é pouco mais do que um barulho discreto de vento e algumas notas no baixo, e serve apenas como introdução ao desfecho brilhante de “The Prayer”, verdadeira poesia doom.
Compre o álbum, curta o som e siga a banda – mas não apenas no Facebook: frequente shows de metal! A Abraxas garante a você festivais de muita qualidade. Confira!
Obs: A banda Pesta tem também uma cerveja própria. Quem sabe ela não rende uma resenha etílica do próximo trabalho. É só mandar aqui em casa, amigos mineiros!